O Arquivo Sonoro
Paisagístico do Algarve, ou ASPA, é um projeto da Fungo Azul Associação
Cultural através do qual Carlos Norton se propõe guardar, para a posteridade,
os infinitos sons que marcam o quotidiano da região algarvia, do litoral ao
interior, do sotavento ao barlavento. A audioteca está disponível para quem
quiser conhecer, de outro prisma, o Algarve e foi apresentada, no dia 22 de
março, na FNAC de Faro.
Texto: Daniel Pina |
Fotografia: Daniel Pina
A ideia é, de facto, original. Pode-se dizer que é um
projeto «fora da caixa», como agora se descreve tudo o que foge aos padrões
normais, mas a Fungo Azul Associação Cultural também já nos habituou a isso
mesmo, a iniciativas diferentes. E tudo começou quando Carlos Norton estava a
tirar um mestrado em Londres e, perdido nos típicos dias chuvosos de terras de
Sua Majestade, se recordava, não raras vezes, das horas passadas a ler junto à
Ria Formosa. “Pensava que, se pudesse colocar uns auscultadores nos ouvidos e
escutar aqueles sons que me eram tão familiares, o tempo passava mais
depressa”, recorda, momentos antes da apresentação do Arquivo Sonoro
Paisagístico do Algarve que teve lugar, no dia 22 de março, na FNAC do Fórum
Algarve, em Faro.
Músico, ator, homem da rádio, Carlos Norton tinha esta ambição
há largos anos, mas faltava-lhe uma entidade que servisse de suporte logístico
a esta recolha de sons ambientes, de paisagem, cenário que mudou aquando do
nascimento da Fungo Azul, associação cultural criada em conjunto com Nuno Murta
e Inês Graça, trio que constitui, também, a banda Orblua. “É um mapa interativo
com sons de todos os géneros, que ouvimos no nosso dia-a-dia e que é um
património imaterial que se vai transformando ou perdendo. As cidades vão-se
transfigurando, mecânica e fisicamente, e isso altera os próprios sons”,
explica o mentor do projeto. “Mesmo nas praias, as arribas são diferentes. Do
ponto de vista humano, há crianças que falam de uma maneira, velhotes que falam
de outra, e tudo isto muda ao longo do tempo”, acrescenta.
Projetos pontuais deste género já tinham sido realizados
noutros pontos do mundo, revela, entretanto, Nuno Murta, mas nada desta
dimensão e com uma perspetiva de continuidade. “Conhecia alguns projetos
semelhantes feitos em África e, de repente, com uns simples auscultadores,
via-me mergulhado nesses ambientes, era fantástico”, aponta, com Carlos Norton
a confirmar que, normalmente, estes estudos são conduzidos em espaços físicos
mais confinados. “Em Portugal há, por exemplo, o «Porto Sonoro», é
relativamente normal fazer-se essa recolha numa cidade. Numa região inteira
desconheço e o Algarve, apesar de ser pequeno, obriga a percorrer-se centenas
de quilómetros para gravar uma tremenda diversidade de sons existente de ponta
a ponta”, afirma.
Uma diversidade de registos que é praticamente infinita, uma
vez que Carlos Norton gravava um som num determinado dia, a uma determinada
hora e, no mesmo local, mudando-se a página do calendário e indo-se a uma hora
diferente, provavelmente os sons seriam outros. “Pode aparecer alguém e o
microfone capta a conversa, ou um cão que ladra, um carro que passa, tudo isso
torna o desafio mais interessante”, admite Nuno Murta. Por isso mesmo, Carlos
Norton garante que este foi apenas o primeiro «tijolo» do projeto. “Temos um
ano de recolhas em arquivo e a ideia é dar-lhe continuidade, não só a nível
temporal, mas espacial também. Percorremos os 16 concelhos do Algarve, fizemos
muitas recolhas, mas não fizemos todas, como é óbvio. Daí termos tido, desde o
início, o cuidado de aplicar um método científico à recolha. Está documentado o
material utilizado, o local exato onde estavam os microfones, a direção para
onde estavam apontados. Assim, se alguém quiser estudar a evolução destes sons
ao longo do tempo, é possível repetir as mesmas condições de recolha”,
esclarece Norton.