O programa do Festival Som Riscado descrevia «SYN.Tropia»
como um concerto-dança para surdos e outras audições, numa coprodução do
Cine-Teatro Louletano, do Centro de Estudos de Ovar e do Teatro de São Luiz que
pretendia ir muito para além dos espetáculos sonoros a que estamos habituados a
assistir. A conceção e interpretação são da responsabilidade de Yola Pinto
(bailarina e coreógrafa) e Simão Costa (pianista e compositor), que desde 2011
têm trabalhado juntos na pesquisa em volta do som e das várias formas como pode
ser escutado. “É um projeto que decorre do C_Vib, que esteve na edição de 2016
do Som Riscado, onde quatro esculturas sonoras exploravam, de uma forma
bastante interativa, os percursos físicos do som, a relação do toque com a
perceção sonora. Temos tido a sorte de nos cruzarmos com programadores
culturais que acreditam francamente neste tipo de trabalho – às vezes sem se
saber bem onde vão dar estas pesquisas e investigações – como é o caso do Paulo
Pires, da Susana Duarte e da Fátima Alçada”, destaca Yola Pinto, depois de
terminada a primeira sessão do dia 5 de abril.
O espetáculo utiliza, então, informações que provêm do som
mas que não chegam através do ar, mas sim pelo tato e pela visão, traduzindo-se
na fusão de duas realidades performáticas, a dança e o som, com sons graves
para serem percecionados pelas pessoas surdas. “A ideia é tratarmos todos
equitativamente nas suas diferenças e não deixamos de fora as pessoas que
ouvem, embora o espetáculo remeta, claramente e desde o início da sua criação e
pesquisa, para o paradigma de quem não ouve. Trabalhamos com o polo de Lisboa
da Associação Portuguesa de Surdos, que nos acolheu com muito entusiasmo e
simpatia, e há bastante para aprender com eles”, refere Simão Costa. “Temos o
hábito de separar os sentidos, colocar cada um na sua gaveta, mas há diversos
estudos recentes de neurologia e neurofisiologia que dizem que não é bem assim
que as coisas funcionam. Há uma interinfluência muito maior dos cinco sentidos
do que aquilo que acreditamos”, reforça o compositor.
Do conceito à prática, «SYN.Tropia» não tem um enredo
propriamente dito, antes, sim, uma segmentação dramatúrgica mais ligada às
formalidades da música, ou seja, é um espetáculo dividido em sete faixas,
ecossistemas. “Esta ligação entre a sintropia,
que significa juntos na mesma direção, na mesma forma, e o seu oposto, a entropia, que personifica a
desorganização do sistema, é explorada por estímulos visuais, objetos, luzes,
desenhos, movimentos, tudo o que provoque o som”, adianta Yola Pinto. Depois,
em palco, a dupla desfruta dos muitos meses de pesquisa e trabalho árduo. “Por
mais enfase que possamos dar à dinâmica do processo, subir ao palco é o momento
de apresentação dos resultados. Há muitos pormenores a desenvolver para além da
performance, porque estamos também a dirigir todo o projeto, e valemo-nos da
experiência acumulada e da escolha dos tempos e segmentação para que tudo corra
bem”, acrescenta Simão Costa.
Quando entra o público, a dupla sabe bem o que tem que
fazer, mas não entra simplesmente em piloto-automático, porque cada espetáculo
encerra os seus próprios mistérios. “Dado o nível de detalhe exigido,
reservamos uma boa parte da nossa energia para o momento da interpretação.
Estamos em constante escuta e diálogo com o público, caminhamos juntos, há uma
grande disponibilidade para encaixarmos as suas reações no espetáculo. O
público é a última peça do puzzle, que convidamos para se sentar, connosco,
numa plateia cheia de dispositivos estáticos”, sublinha Yola Pinto. Simão Costa
lembra, entretanto, que a natureza é, em muitos casos, sintrópica, produz mais
energia do que utiliza. “Pensamos que o dispêndio de energia tem um
desperdício, uma componente que é incontrolável, andamos sempre numa dinâmica
de esforço. Contudo, na natureza, apanhamos boleia de sistemas mais
abrangentes. Neste espetáculo, definimos dinâmicas de improvisação, mas
estruturadas, mudando os tempos em função da reação do público”, descreve o
músico. “Se as dinâmicas de jogo se estabelecerem de forma favorável, há
secções que crescem. Quando as pessoas não estão tão disponíveis, cumpre os
objetivos a que se propôs e seguimos para a «faixa» seguinte. É um concerto de
dança onde exploramos e evidenciamos a maneira como o som tem impacto no corpo”,
concluem Yola Pinto e Simão Costa, antes de começarem a preparar o espetáculo
do início da tarde.
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
Leia a reportagem completa em:
https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo__102
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