O Ministro da Cultura veio a Querença, no dia 20 de fevereiro, para presidir à apresentação pública do projeto «romanceiro.pt». A iniciativa nasce de uma parceria entre a Fundação Manuel Viegas Guerreiro e o Centro de Investigação em Artes e Comunicação da Universidade do Algarve, com financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian, e resulta do projeto «O Arquivo do Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna (1828-2010): sua preservação e difusão». Resumindo, assistiu-se ao nascer de uma plataforma digital onde estão disponíveis os textos do Romanceiro e os respetivos sonoros, conforme os responsáveis do projeto explicaram ao Algarve Informativo.

Entrevista: Daniel Pina

O Romanceiro é um género poético tradicional originário nos finais da Idade Média e que foi guardado na memória dos povos de expressão portuguesa, galega, castelhana e catalã desde então, passando na forma oral de geração em geração. O género ganhou maior preponderância quando o Romantismo se interessou de modo mais sistemático por ele e, desde 1824, foram coligidas milhares e milhares de versões de romances em Portugal, Espanha e nos países da diáspora portuguesa e espanhola. Uma memória romancística que foi transportada por esse mundo fora pelos judeus expulsos da Península Ibérica nos finais do século XV e que ainda hoje é preservada.
Olhando para o caso específico português, destacam-se os contributos das recolhas e publicações de versões de romances realizadas, entre outros, por Almeida Garrett, Teófilo Braga, Leite de Vasconcellos, Consiglieri Pedroso, Alves Redol, Michel Giacometti, Maria Aliete Galhoz, Manuel Viegas Guerreiro, um trabalho que foi retomado, em 1980, por Pedro Ferré, professor e vice-reitor da Universidade do Algarve. “O Romanceiro português encontrava-se completamente disperso, não classificado, não se conhecia o número de versões, nem de temas, as designações eram pouco claras e não respeitavam as classificações internacionais. Tudo isto provocava uma enorme dificuldade quando os investigadores estrangeiros o queriam estudar e acabavam por se basear em coleções, umas mais fiáveis do que outras”, conta Pedro Ferré.
O primeiro passo foi, então, organizar este enorme arquivo publicado até 1980, tarefa que foi concluída no virar do novo milénio, com o apoio da GNICT, depois rebatizado de Fundação Para a Ciência e Tecnologia, e graças a um grupo de alunos da Faculdade de Letras da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade do Algarve. Mas havia outro passo a dar, prosseguir com esta recolha sistemática no campo, relata o coordenador do «romanceiro.pt». “Havia que definir pontos significativos de recolha em todo o território nacional, mas também não se podia recolher tudo. Quando se entra numa aldeia e dizemos que queremos reunir tradições antigas, é óbvio que nos transmitem aquilo que têm mais fresco na memória. Ao mesmo tempo, se não especificarmos o que desejamos, é evidente que as pessoas nunca farão um grande esforço de memória”, alerta o vice-reitor, um trabalho que foi sendo feito nos fins-de-semana e nos períodos de férias letivas, entre 1980 e 2000.
Como resultado, recolheram-se cerca de 3500 novas versões e descobriram-se romances inéditos em todo o mundo de expressão catalã, portuguesa, galega e castelhana e que viriam a constituir um segundo arquivo, já no formato áudio, a par das transcrições em papel. Entretanto, com as novas possibilidades que as tecnologias de informação e a internet nos oferecem no século XXI, começou a pensar-se em colocar todo este conhecimento, todas estas tradições, numa plataforma digital, e é ai que surge o Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC) da Universidade do Algarve, nas pessoas da sua coordenadora, Mirian Tavares, e da investigadora Sandra Boto. “A Fundação Gulbenkian abriu um concurso para a preservação de acervos documentais, o CIAC e a Fundação Manuel Viegas Guerreiro concorreram em parceria, felizmente vencemos e cá estamos”, sumariza Pedro Ferré.