«O MENINO DA BURRA» estreou no passado fim-de-semana de 22 a 24 de abril, no Teatro Lethes, em Faro, seguindo-se, logo de imediato, mais dupla encenação, no Teatro Mascarenhas Gregório, em Silves, nos dias 29 e 30 de abril. Antes disso, o Algarve Informativo esteve à conversa com o dramaturgo portimonense Luís Campião e com o ator Bruno Martins, para conhecer melhor a história de uma peça que recorda os tempos da Guerra Colonial e do Portugal do Estado Novo.
 
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina

«O Menino da Burra» é, por assim dizer, o relato de um empregado de balcão de uma taberna com o mesmo nome, dirigido a um pretenso freguês, que acaba por ser o público de cada encenação, evocando o Portugal do Estado Novo e a Guerra Colonial, a pobreza e a ruralidade, a violência e a ingenuidade, tudo com base nas pretensas cartas que o pai do contador da história lhe escreveu quando esteve a combater na Guiné. Antes disso, porém, houve a «Nossa Senhora da Açoteia», escrita por Luís Campião em 2012, produzida pela ACTA e interpretada e encenada por Luís Vicente, conforme nos conta o dramaturgo natural de Portimão. “Houve um personagem que me interessou particularmente e decidi construir uma nova peça a partir dele. O texto acabou por ser distinguido com uma menção honrosa no Prémio Inatel, em 2013, e surgiu o convite da editora «Companhia das Índias» para o publicar”, conta Luís Campião.
A ideia sempre foi, contudo, levar o texto de «O Menino da Burra» a cena, é para subir ao palco que eles são escritos, e o processo deu um passo em frente quando Bruno Martins manifestou junto de Luís Campião o interesse em representá-lo. Da conversa passou-se à prática, em 2015, e a peça foi agora a cena, primeiro em Faro, depois em Silves, para satisfação do portimonense que iniciou o seu percurso na Escola de Formação de Atores do Centro Dramático de Évora, concluiu uma Licenciatura em Estudos Teatrais e Teatro no Porto e tirou um Mestrado na Escola Superior do Teatro e Cinema, em Lisboa. Quanto a Bruno Martins, nascido em Setúbal, passou igualmente por Évora, fez a sua licenciatura também, está a finalizar o mestrado e já conhecia o Algarve mercê de um estágio que efetuou na ACTA, tendo trabalhado vários anos nesta companhia de teatro. “Achei o texto do Luís Campião bastante giro, tocava-me em imensos pontos da minha vida pessoal e perguntei-lhe se podíamos avançar com a produção. O Luís Vicente disponibilizou depois o espaço do Teatro Lethes para a estreia e cá estamos”, relata o ator. 
Convém dizer que a dupla já tinha trabalhado anteriormente, por ocasião da produção de «A Cova dos Ladrões», em 2010, pela ACTA, com encenação de Paulo Moreira. “O meu percurso de dramaturgo iniciou-se em 2008, quando me comecei a interessar pela escrita na sequência de uma Pós-Graduação que fiz na Faculdade de Letras sobre Texto Dramático. O interesse foi-se sedimentando a partir do momento em que senti uma reação positiva aos meus textos, o que me levou a frequentar oficinas de escrita com outros dramaturgos para tentar perceber se isto poderia dar alguns frutos”, indica Luís Campião, cujo «Nossa Senhora da Açoteia» venceu o Prémio António José da Silva, em 2012. “Desde então, uma coisa tem levado a outra, novos interesses, questões e inquietações, uma ou outra encomenda, mais projetos, não tenho propriamente parado”.
Com o foque em «O Menino da Burra», trata-se da história de um homem que vai para a Guerra Colonial e já não regressa na plenitude das suas faculdades psíquicas, sendo esse relato feito pelo filho, agora taberneiro, recordando as cartas que o progenitor lhe enviara da Guiné. “Ele sentia orgulho do pai, achava que era um herói, ao mesmo tempo que tinha medo que ele se perdesse na guerra. O pai voltou com uma série de mazelas psicológicas, com traumas da guerra, e nunca mais foi o mesmo”, explica Bruno Martins, referindo-se a «Alfredo», o tal personagem que saltou de «Nossa Senhora da Açoteia». “O meu interesse no Alfredo foi toda a questão da memória que temos da Guerra Colonial, senti que essa personagem tinha muito mais coisas para contar. Há um jogo de intertextualidade, mas as duas peças funcionam separadamente. É como se fossem dois lados da mesma moeda, porquanto tratam as duas de memórias traumáticas”.