No nosso périplo habitual pela cena literária algarvia, damos a conhecer, desta feita, uma obra diferente, um livro composto por letras feitas de raiz para o fado. Falamos de «Fado Maior», a estreia como escritor de Hélder Joaquim Gonçalves, com quem estivemos à conversa numa bela manhã de Verão na movimentada cidade de Portimão.

Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina

Todos os dias são publicados livros em Portugal, uns de poesia, outros de prosa, dos típicos romances aos contos, mas um livro composto por letras para fado é algo mais raro, daí termos rumado a Portimão para conversar com Hélder Joaquim Gonçalves, professor de português e autor de «Fado Maior». Ouvinte atento da canção nacional, Património Imaterial da Humanidade, o portimonense é cliente regular de alguns restaurantes que organizam noites de fado, às vezes até canta, simplesmente por gosto, no puro amadorismo, sem pretensões de se afirmar fadista. “Cada vez se canta mais o fado, há muitas vozes novas por aí, mas apercebi-me que todas têm o mesmo repertório. De um modo geral, todos os fadistas cantam os mesmos temas”, aponta Hélder Joaquim Gonçalves, enquanto se bebia um café na Casa Inglesa.
Explicando que o fado tradicional é um acervo de cerca de 200 melodias a que todos recorrem com frequência, desde os nomes mais consagrados aos novos talentos, cada um depois adaptando-as à sua maneira de cantar, Hélder conta que, por brincadeira, resolveu fazer umas quadras para cantar no Restaurante O Cangalho, junto ao Zoo de Lagos, onde costuma levar alguns alunos estrangeiros a quem ensina português. “Os músicos gostaram das minhas letras e uma fadista até me pediu para lhe escrever duas canções, foi uma surpresa. Eu sempre me dei bem com a escrita, escrever razoavelmente bem foi um dos meus trunfos enquanto estudante, mas nunca tive o hábito de guardar aquilo que fazia”, relata o entrevistado.
A rotina mudou, de facto, com estas letras para fados tradicionais, de modo que, quando já tinha à volta de uma dúzia, e face aos incentivos de amigos, decidiu que seria interessante colocá-las à disposição de outros fadistas. “No início, havia fadistas que andavam de casa em casa a cantar e existiam letristas que escreviam para eles. O David Mourão Ferreira fez muitas letras para a Amália, outros musicaram uma série de poemas da literatura português mas, depois, não sei o que aconteceu, deixou-se de fazer isto”, observa Hélder Joaquim Gonçalves. “Pelo que vejo, agora são os fadistas, casos do Camané, Mariza, Ana Moura, Aldina Duarte ou Carlos do Carmo, que convidam alguns poetas para escrever para eles, mas são situações pontuais”.
Uma dessas escritoras é Maria do Rosário Pedreira, que teceu largos elogios a Hélder Joaquim Gonçalves, mas a própria considera que fazer letras para fados é um hobbie, algo que faz apenas quando solicitada. E para essa realidade se calhar contribuiu, durante muitos anos, a imagem de que o fado é tristonho, só fala de dramas e de saudade e que só interessa a pessoas de idade mais avançada. “Hoje, felizmente, há cada vez mais jovens nos espetáculos de fado, deixou de haver esse estigma. O Camané costuma dizer que, quando era jovem, tinha vergonha de contar aos amigos que gostava de fado, pensava que isso não seria bem aceite. Mas isso mudou”, destaca, acreditando que o reconhecimento do fado como Património Imaterial da Humanidade foi decisivo para essa alteração de mentalidade.