De 25 de março a 28 de abril vai estar patente, na Galeria de Arte do Convento Espírito Santo, em Loulé, a Exposição «Boliqueime a terra e as gentes», que tem como curadores Francisco d’Oliveira Martins e Maria do Céu d’Oliveira Martins.
«Ah! Boliqueime vem-nos à memória! A terra e as gentes merecem a nossa lembrança. Os azuis intensos e límpidos, os vermelhos da terra, os amarelos e os verdes das árvores – chamam-nos à vida. Estamos entre Barlavento e Sotavento – rigorosamente no centro algarvio, de leste para oeste e de norte para sul, onde a Serra abraça o Barrocal, descendo serenamente até ao mar, à longa frente de falésia que define a transição. Lembro os verões da minha infância. E recordo os preparativos, o alvoroço, a expectativa, o gozo do reencontro. O Avô Mateus vinha buscar-nos. A minha Mãe providenciava tudo. O momento era único: a casa, as árvores, as flores, os animais, as coisas e sobretudo as pessoas.
A lembrança juntava-se à surpresa. E a aventura começava na Estação de Sul e Sueste até ao Barreiro. O encontro com o Algarve exigia o caminho-de-ferro, e depois passou a obrigar, de automóvel, a longuíssima serra do Caldeirão… O comboio deixava-nos em Albufeira. E chegávamos à terra da promissão. Ficavam para trás a cidade, começava o ar livre, a imaginação, a autonomia, tudo. O primeiro almoço aguardava-nos - canja de galinha e arroz de cabidela, e antegozávamos essa oportunidade, que a Avó Ana especialmente caprichava. Era a melhor cabidela do mundo. À distância, a saudade traz-nos os cheiros, os sabores, os sentimentos, os sorrisos especialmente gostosos e belos. Os sabores eram inesquecíveis, os figos secos, os doces de amêndoa, açúcar e ovos, os dom-rodrigos, os morgados e as peças de escultura da doçaria de massa de amêndoa – frutas e peixes recheados de ovos-moles…
O poeta fala da «raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira». Tínhamos de aproveitar bem a luz do dia. Os dias de Verão eram longos. Quando a noite caía, ou havia o luar de Agosto e da desfolhada, ou vinha o breu e os candeeiros de petróleo. E um dia, no final dos anos cinquenta, veio a eletricidade e a televisão. Mas o essencial era a paisagem luminosa sobre a extensão de mar, num panorama que vai da ria Formosa até Albufeira. Entre hortas e pomares e árvores de sequeiro, havia um mundo – do silêncio às cigarras, passando pelo rumorejar do regadio, com o inconfundível cheiro da terra. Havia figos durante todo o Verão, dos temporãos aos serôdios. A minha Avó fazia questão de os ter das diferentes qualidades, para que nunca faltassem em braçados e cestas. As amêndoas eram deliciosas e quanto às alfarrobas não suspeitávamos das suas mil utilidades.
De Loulé, o Avô falava-nos com entusiasmo do buliçoso comércio. António Aleixo e os seus poemas repentistas eram recordados. E quantas conversas amenas com o Dr. Joaquim Magalhães… Ao folhear a “Monografia do Concelho de Loulé” de Ataíde de Oliveira, percebíamos a riqueza de um concelho marcado pela ligação à serra, através das vias dos almocreves e das memórias longínquas do Remexido. As mouras encantadas, o romanceiro, as lendas diziam-nos da multiplicidade de influências – e, quando lemos “O Dia dos Prodígios” de Lídia Jorge, entendemos os muitos mistérios e a enorme capacidade de efabulação desta gente fantástica. Maria Aliete Galhoz e José Ruivinho Brasão têm sido incansáveis na revelação desses mistérios. E Orlando Ribeiro percebeu bem o fenómeno natural: “o algarvio leva consigo o jeito de acomodar-se, o ar aberto, acolhedor, o gosto de rir e de falar, com a vivacidade que lhe deu fama ele é, na posição como no temperamento, o mais meridional dos portugueses”. E o ser vivaz contrasta com a melancolia, ditada pela estranheza dos dias de vento de levante. Porém, sente-se o folguedo algarvio, o colorido, a diversidade, entre a serra e o mar, e a luminosidade sem igual do Mediterrâneo.
Teixeira Gomes diz-nos: “Que lindíssima terra esta, exclamava eu, ainda na passagem da ponte (…) O céu alaranjado empanava-se de escumilhas doiradas com franjas de púrpura, e pelo cetim do rio corriam, leves, para a barra, as velas cor de açafrão, cruzando outras, brancas de cal e curvas, que cortavam o ar com o movimento sereno de asas livres no espaço”. Boliqueime de hoje e de sempre – quantas memórias, quantas tradições!» (Guilherme d’Oliveira Martins).
A Exposição inaugura no dia 25, pelas 10h, com uma conferência. Pode ser visitada de terça a sexta-feira, das 9h30 às 17h30, e ao sábado, das 9h30 às 16h. A entrada é livre.