No Dia Mundial do Teatro, celebrado a 27 de março, o Auditório Municipal de Olhão esgotou, apesar de um enorme cartaz à porta anunciar que, naquele dia, não haveria sessão. Mesmo assim, a principal sala de espetáculos da Cidade da Restauração encheu por completo, pregando um valente susto a um sui-generis contínuo que estava nas suas lides de limpeza. O funcionário bem se cansou de explicar à plateia que não ia acontecer nada naquela noite, aliás, onde é que já se viu fazer teatro a uma segunda-feira?
Os avisos foram muitos, mas as pessoas não arredaram pé e, para que a saída de casa não tivesse sido em vão, o contínuo propõe-se a representar a peça que estava em cartaz (se a assistência pedisse com muito jeitinho), porque sabia o texto de cor e salteado e só não tinha sido escolhido para personagem principal porque o encenador não simpatizava com ele. A ele junta-se, em palco, um técnico de luz e som do auditório que também estava a arrumar as coisas naquela noite e que pensava que seria ele o grande protagonista da história. No último instante, mais um ator inesperado, a mãe do contínuo, que tinha ficado desconfiada com a demora do filho em chegar a casa e tinha ido ver o que se passava. Isto porque o filho sofria daquela doença de gostar de pessoas do mesmo sexo, mas garantia já estar curado, embora os seus tiques fizessem a plateia desconfiar do contrário.
Com três atores improvisados em cena, começa-se a representar a «Cinderela», quer dizer, uma história ligeiramente parecida com a dessa mítica personagem do imaginário infantil, mas com muitas adaptações à realidade olhanense e, também, com bastantes percalços pelo meio. Isto porque, já se sabe, nenhum deles era ator profissional, nem sequer amador, e o enredo ia sendo feito quase em cima do joelho. Já mais para o fim da história, nova personagem entra na história, o «amigo colorido» do contínuo, que acaba por personificar o príncipe que se tinha apaixonado por aquela Cinderela de bigode e pelos no peito. 


Foram estes os ingredientes reunidos pela companhia «A Gorda» para assinalar o Dia Mundial do Teatro, com a peça de nome «Hoje Não Há Teatro», da autoria do conhecido João Evaristo e com interpretações do próprio João Evaristo, Joaquim Parra, Isa Mondim, Leonel Santos e Mário Moreno. Um trabalho que faz parte de uma trilogia que contempla ainda Bailarinas e Pezinhos de Xumbo I e II e onde se desvenda a forma como um varredor de uma sala de espetáculos consegue concretizar o sonho de ser diretor, encenador e cabeça de cartaz da sua própria companhia de teatro. “Há um espetáculo para estrear, há público na sala, mas depois nada acontece e o encenador, que é um bocadinho aldrabão, arranja sempre maneira de dar a volta à situação e enganar as pessoas. Aproveitamos para fazer alguma crítica do teatro dentro do teatro, das relações que existem entre os atores, da forma como se montam as produções”, explicou João Evaristo, já trajado com a sua roupa normal depois do espetáculo ter terminado.
O sucesso de «Bailarinas e Pezinhos de Xumbo» foi tal que andou em cena durante cinco anos, até dar origem à tão aguardada sequela, para mais cinco anos de digressão. “Ao fim de uma década, pensamos que estava na altura de concluir a trilogia com o início de toda a história. Esta peça, ao contrário dos outros dois episódios, vive muito do jogo de luzes e do espaço de cena, portanto, não pode ser apresentada em qualquer sala”, indica João Evaristo. “Aqui deturpamos uma história conhecida (Cinderela) introduzindo referências à realidade e figuras de Olhão, para que as pessoas percebam as diferenças. Mas é adaptável a qualquer local do país porque não se trata de uma peça profundamente olhanense, como são os casos do «Mê menine… e o tê pai?» e do «Mê menine… e a tua mãe?». Aliás, vamos a Tavira no dia 21 de abril”, adianta o encenador.
Antes disso, «Hoje Não Há Teatro» já andou por Ferragudo e Conceição de Tavira, para além do Auditório Municipal de Olhão, e João Evaristo garante que é a mais complicada do repertório da companhia «A Gorda». “São muitos adereços, entradas e saídas constantes de várias personagens, a história a desenrolar-se a grande velocidade, ficamos estourados fisicamente”, assegura, ainda a recuperar o fôlego, aproveitando para revelar que a saga do «Mê menine» está a ser gradualmente encerrada. “Estamos a apostar agora no «Móce mó», eu e o Parra, que se aproxima um pouco da stand-up comedy e que nos permite ir a espaços menos convencionais. Mas também temos em mãos o «Olhão - Seis Retratos à lá minuta», que queremos trazer ao Auditório Municipal de Olhão em maio, durante uma mostra do teatro que se faz no concelho”.

Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina

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