O investigador e programador cultural Paulo Pires lançou, no dia 15 de junho, em São Brás de Alportel, «Escrytos – crónicas e ensaios sobre cultura contemporânea (2013-2017)». A obra reúne textos publicados em jornais, suplementos, revistas e websites de âmbito cultural, entre janeiro de 2013 e abril de 2017, e tem como enfoque central a área da Cultura, nomeadamente questões ligadas à Programação e Mediação Culturais, Artes Performativas, Literatura e Leitura/Bibliotecas, integrando ainda reflexões, quer sobre alguns projetos específicos que o autor desenvolveu em contexto profissional, quer em torno de temáticas sociológicas e educacionais.
Após uma breve introdução da obra realizada pela professora da Universidade do Algarve Ana Isabel Soares, Paulo Pires começou por explicar que este livro é também reflexo das pessoas com quem trabalhou enquanto programador cultural, casos de Dália Paulo, comissária do programa «365 Algarve» e de Maria José Macário. “Eu preciso escrever para que as coisas fiquem mais claras para mim mas, curiosamente, há aqui muitas coisas que me desarrumaram completamente, que me desassossegaram, que me criaram uma inquietação. Em alguns assuntos, já não penso da mesma forma, mas a escrita é uma luta constante contra o desconhecido”, apontou Paulo Pires, confessando que cada vez tem menos certezas na vida.
De forma emocionada, Paulo Pires dedicou o livro aos pais e recordou as longas tardes de Verão da sua meninice, antes de ir para a escola primária, em que desenhava letras enquanto a mãe costurava na sua máquina Singer. “Achava aquilo uma seca tremenda, porque os meus amigos andavam na rua a jogar à bola, foi algo que me custou imenso. Um dia, a minha mãe disse-me que o seu sonho era ser professora e aqueles momentos, que me pareciam tão castradores, começaram a fazer sentido para mim”, contou. Do mesmo modo, lembrou a sua adolescência e as férias de Verão em que ajudava na oficina de carpintaria do pai. “Ele é extremamente exigente e muito perfeccionista e tínhamos grandes discussões porque eu não conseguia fazer as coisas tão bem como ele desejava, mas isso deixou em mim um certo espírito de exigência e perfeccionismo na forma de fazer as coisas. Às vezes, em certas fases da nossa vida, há aparentes choques e desencontros que, mais tarde, se tornam coisas boas”, reconheceu.

João Paulo Cotrim, Ana Isabel Soares, Vítor Guerreiro e Paulo Pires

Para Paulo Pires, é importante que o pensamento fique registado e compilado em papel, para que possa dar origem a outros pensamentos distintos, por exemplo, no campo da captação de públicos para as atividades culturais. “Como é que podemos fazer uma programação de qualidade sem cair no lugar-comum? Como é que podemos balançar uma programação abrangente e, ao mesmo tempo, que tenha em conta as minorias”, questionou. “E há também neste livro algumas reflexões sobre a relação de certas figuras com o Algarve, como é que a passagem do José Afonso ou da Sophia de Mello Breyner, por exemplo, pela nossa região os moldou”, revelou o autor. “A escrita e a leitura ajudam-nos a ver o mundo para lá daquilo que é óbvio, das mensagens com que somos bombardeados todos os dias, a tentar convencer-nos disto ou daquilo. Ajudam-nos a ler nas entrelinhas, a ver mais longe do que o nosso olhar alcança”, concluiu.
Antes das palavras de Paulo Pires, Vítor Guerreiro, presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, manifestou a satisfação por receber, no requalificado Largo de São Sebastião, “o lançamento do livro de um amigo, de um são-brasense, que tem dedicado a sua vida e a sua carreira profissional à cultura”. “É uma pessoa que se preocupa muito com o espaço e a história, mas também com o futuro”, sublinhou o edil. Por sua vez, João Paulo Cotrim, da «Arranha-Céus», lembrou que todos os dias são lançados 40 novos livros em Portugal, “alguns injustamente «acusados» de serem livros, mas realmente têm papel e letras”, daí que a grande questão que se coloca, atualmente, aos editores é o porquê de se colocar mais uma obra no mercado. “Neste caso, a resposta foi bastante fácil e vem abrir uma coleção na «Arranha-Céus» à volta da crónica, um género no qual o nosso país tem uma tradição riquíssima. Para além da qualidade da escrita, o trabalho do Paulo Pires interessa-nos muito porque é uma reflexão que parte da prática, da sua atividade como programador cultural”, frisou.

Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina