Embora tenha começado a dar
nas vistas, em 2002, com um romance tradicional, foi na escrita minimalista que
Luís Ene se tornou um verdadeiro mestre e «Guru de Algibeira» é disso um
perfeito exemplo. Mas mais pequenas histórias estão na calha para verem a luz
do dia nos próximos tempos e, depois de «arrumada a casa», é altura de partir
para novas aventuras, porque Luís Ene adora, acima de tudo, fazer experiências
com as palavras.
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
Foi no renovado Café Aliança, na Baixa de Faro, que
encontramos Luís Nogueira, ou Luís Ene, como é conhecido no mundo da escrita, a
escrevinhar no seu bloco de notas, enquanto ia bebericando um café. De longo
cabelo branco despenteado, pera branca e bigode grisalho, óculos de pensador,
t-shirt de espírito jovem, tem mesmo pinta de guru. E foi por causa do «Guru de
Algibeira» que nos abeiramos do autor que há cerca de 15 anos se tem dedicado a
um formato breve de escrita. Curiosamente, a sua entrada no mundo da literatura
deu-se com o romance «A Justa Medida», que venceu, inclusive, a primeira edição
do concurso «Novos Talentos», corria o ano de 2002.
Depois do livro ter sido publicado pela Porto Editora, Luís
Ene abraçou os blogues, um dos primeiros de Portugal a aderir a esta ferramenta
de comunicação, tendo criado o projeto literário «Mil e Uma Pequenas
Histórias». “Era uma espécie de diário, todos os dias escrevia uma pequena
história, mas mesmo pequena, podia ter três, quatro, cinco linhas, um
parágrafo. Levei dois anos e meio até chegar à 1001.ª história, mas cheguei”,
recorda, uma aventura que deu, depois, lugar a novo livro. “Hoje, utilizo o
Facebook não para colocar fotografias minhas, mas para partilhar textos diários,
sempre com um intuito literário. Este livro insere-se um pouco nessa linha,
alterei muitas coisas, até pensei em não o publicar, mas decidi ir para a
frente porque temos que mostrar aquilo que escrevemos. É essencial que os
livros cheguem aos leitores, não por vaidade, mas para que fiquem completos. Está
feito, está feito, deixa de ser meu e passa a ser dos leitores”, refere, com o
seu modo característico de falar.
Um livro que é anormalmente pequeno, reconhece Luís Ene, num
tamanho A6, mesmo de algibeira, com 64 textos, a que se somam outros 14 mais
reduzidos, quase frases, e que respondem a questões que o próprio se foi
colocando ao longo da vida. “Estão numa determinada ordem, mas aconselho que a
leitura seja aleatória. A ideia é as pessoas fazerem uma pergunta – não se vão
ganhar o totoloto ou se vão ser felizes com as atuais namoradas –, abrirem o
livro numa página qualquer e tentar ver se dali ressalta alguma sabedoria”,
indica, um género dos famosos bolinhos da sorte chineses que dão dicas cuja interpretação
varia de pessoa para pessoa. “O que está no livro são coisas que toda a gente
sabe e sente, mas que nem todos conseguem exprimir por palavras e eu tenho essa
facilidade. Aliás, o primeiro título que tinha pensado era «O que eu não
consigo explicar, posso sempre escrever». Escrever é algo que me traz alguma
paz, sentido e orientação no dia-a-dia”.
Engane-se, porém, quem pensa que escrever pequenas histórias
é fácil, do mesmo modo que colocar no papel os pensamentos do quotidiano não
está ao alcance de qualquer um. Luís Ene considera, contudo, que tudo é
relativo e recorda a experiência do «Mil e Uma Pequenas Histórias». “Escrevendo
uma pequena história por dia, ao fim de dois anos e meio tinha 1001 histórias,
o que dava umas 500 páginas. Se fizeres uma página por dia, tens 365 no fim do
ano, é uma questão de não teres medo de avançar. Gostava de voltar aos
romances, mas isso exige muito tempo e concentração. Não consigo estar a
escrever, ir fazer outra coisa durante três dias, e depois regressar ao livro,
já não estou sintonizado”, admite o entrevistado.