O Museu do Trajo, em São Brás de Alportel, viveu uma noite diferente de Halloween, no dia 31 de outubro, com uma sessão de histórias de arrepiar a cargo de Fernando Guerreiro. Num ambiente propício para este género de eventos, o público presente acompanhou, de respiração sustida, o desenrolar das tenebrosas histórias que o contador garantiu serem verídicas…

Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina

Habituado que estamos a ver Fernando Guerreiro de volta dos micro contos e do seu ukelele, a noite de 31 de outubro permitiu-nos conhecer melhor a outra faceta deste alentejano, a de contador de histórias mais tradicionais, estas com uma roupagem de arrepiar, imbuídas do espírito do Halloween. E o Museu do Trajo, em São Brás de Alportel, com a sua fantástica estrutura arquitetónica e a exposição permanente de trajes de outras épocas, ajudou, e de que maneira, ao ambiente. Histórias que fazem parte do seu quotidiano desde 2012, aquando dos incêndios que afligiram a Serra do Caldeirão, no âmbito do projeto LARA. “As pessoas da Biblioteca disseram-me que iam contar histórias aos Parises e lá fui eu também. Já tinha feito teatro no passado, um trabalho mais coletivo, e gostei bastante da experiência a solo”, recorda.
Antes disso já Fernando Guerreiro ia publicando micro contos de forma regular nas redes sociais, mas ainda estranhou o desafio de um amigo para os apresentar, ao público, numa noite em Faro. “Os contos são mais extensos, chegam a durar uma hora sem que aquilo fique chato, devido às técnicas utilizadas pelos narradores. Não sabia bem como iria funcionar uma sessão de micro contos, custou-me um pouco a assumir essa diferença de registo, mas a verdade é que resultou”, indica o entrevistado, que lançou o primeiro livro em abril de 2015. “Desde então, vou dando a conhecer esse material acompanhado pelo «Xico», o meu ukelele”, acrescenta, com um sorriso.
Escrever uma, duas ou três frases, um dezena ou vintena de palavras, pode parecer simples, mas não é, acredite-se, porque há que que transmitir uma mensagem, uma história, uma moral, de forma sintética e divertida, reconhece Fernando Guerreiro. “O meu processo criativo é um pouco esquisito, surge tudo a partir de pequenos flashs que tenho no dia-a-dia. Gosto de encontrar um fio e puxá-lo para ver até onde é que ele vai, sendo que muitas vezes os micro contos, apesar de serem tão curtos, acabam por ter princípio, meio e fim, personagens, tempo e espaço”, descreve. “Há alturas em que vou no carro, lembro-me de determinadas coisas e, quando as vou escrever, já estão diferentes. Em todo o tipo de escrita, é raríssimo que a primeira versão seja a melhor, há que escrever e reescrever para evitar repetições, escolher bem as palavras”, aconselha.
Com o decorrer dos anos, os micro contos de Fernando Guerreiro foram, entretanto, ganhando formas que nunca tinham passado pela cabeça do autor, desde uma peça de teatro e curtas-metragens a uma rúbrica diária na RUA FM e a oficinas de escrita. “Os miúdos, no início, estranham esta maneira diferente de escrever, mas ela pode ser mais uma forma de ativar os mecanismos de escrita e, depois de alguns exercícios, estão a produzir coisas lindíssimas, mesmo aqueles típicos durões das turmas”, relata, garantindo que não estamos na presença de uma ciência oculta ou de um processo demasiado complexo. “Eu nem sequer tenho trabalhado de maneira muito sistemática ou organizada, no entanto, dentro do caos é possível encontrar sempre algo interessante”, prossegue, enquanto o Museu do Trajo ia regressando, lentamente, à sua rotina habitual.