A famosa obra de Carl Orff «Carmina Burana» esgotou o Teatro das Figuras, em Faro, no dia 13 de maio, por ocasião da 7.ª Gala Sonho da Música, organizada anualmente pelo Grupo Coral Ossónoba. Para além dos três coros do Grupo Coral Ossónoba – Pequenos Cantores d’Ossónoba, Ossónoba-Coro Juvenil e Coral Ossónoba, o espetáculo contou com a participação da soprano Patrícia Modesto, do barítono Rui Baeta, ambos farenses, e do tenor Pedro Rodrigues. Nos dois pianos estiveram Joana Vieira e Luís Conceição e a percussão esteve a cargo de José Ramalho, Miguel Pires, Rui Quintas, Tiago Pires e Vasco Ramalho, sendo a direção musical de Nuno Sequeira Rodrigues.

Os poemas que deram origem à cantata «Carmina Burana» foram encontrados num mosteiro beneditino na Baviera alemã, nos finais do século XIX. «Carmina Burana» significa, numa tradução aberta, os «Cânticos do Mosteiro», apontados como cantos profanos compostos por monges Goliardos, clérigos errantes e desiludidos com as corrupções do Clero, tendo sido escritos em latim medieval, alemão arcaico e provençal. Os poemas utilizados por Carl Orff remontam ao século XIII, mas o que é desconhecido do grande público é que existe uma parte desta «Carmina Burana» original musicada nessa época. Sabendo-se que a escrita musical era extremamente precária no século XIII, a execução destas páginas implica muita fantasia e criatividade por parte dos seus intérpretes. De facto, o que ficou realmente documentado foi apenas uma linha de canto sem acompanhamento de apenas algumas dezenas de poemas, que Carl Orff usou maioritariamente na secção «In Taberna», na qual manteve algumas das linhas melódicas originais.

Grande parte da estrutura da composição é baseada na ideia da Roda da Fortuna. Assim, o desenho da roda que figura na primeira página do Códice Burana inclui quatro frases ao redor, do lado de fora da roda, «Regnabo, Regno, Regnavi Sum sine regno», que significam «Eu reinarei, eu reino, eu reinei, eu estou sem um reino» e ilustram as voltas que o Mundo dá e o que se dá e tira em função da sorte de cada um. Carl Orff criou uma obra que reforça esta ideia, colocando exatamente no início e no fim «O Fortuna», sem dúvida a peça mais icónica e conhecida de «Carmina Burana» e que foi utilizada em concertos formais, bandas sonoras de filmes, vídeos, publicidade e outros fins.

Entre as duas «voltas» da Roda da Fortuna, Carl Orff introduz 23 poemas, divididos em três partes, nos quais são louvados a natureza, o amor, o sexo, a bebida e a dança, num contraponto à rigidez da sociedade da época, nomeadamente da influência e dominância da Nobreza e do Clero. A primeira parte, «Primo Vere» (Na Primavera) fala do despertar da natureza e do amor na Primavera. Na segunda parte, «In Taberna» (Na Taberna), com um clima mais sombrio, é relatada uma noite de excessos gastronómicos e alcoólicos numa taberna, onde é criticada, à boa maneira das «Cantigas de Escárnio e Maldizer», toda a sociedade, passando uma ideia de «democracia» nos vícios e na busca dos prazeres. Finalmente, em «Cour d’amours» (Tribunal do Amor), aborda-se um amor que se torna mais vulgar, mostrando que tudo pode ser alterado pelos caprichos do destino, sem impor barreiras rígidas entre amor platónico e amor carnal, uma vez que tudo é Amor.

«Carmina Burana» estreou na Alemanha, em 1937, debaixo do regime nazi alemão e teve uma apresentação em Milão, em 1942, em plena II Guerra Mundial. Inicialmente do desagrado das forças do regime, acabou por se impor graças à sua força e foi depois aproveitada e glorificada pelo III Reich. A peça ganhou uma dimensão universal, transmitindo um sinal de liberdade e crítica de costumes que se aplica a muitas das situações históricas desde a época da escrita original dos poemas até aos dias modernos.

Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina

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