«Tempestade», da Companhia João Garcia Miguel, subiu ao palco do Cine-Teatro Louletano, no dia 2 de junho, com os atores Sara Ribeiro, António Pedro Lima, David Pereira Bastos e Vítor Alves da Silva a darem corpo e voz ao texto original de William Shakespeare e Nuno Rebelo a musicar ao vivo o espetáculo.

A obra de Shakespeare foi adaptada aos tempos modernos e encenada por João Garcia Miguel, tendo estreado, em junho de 2017, em Aveiro, passando depois pelo Festival de Teatro de Almada, Cine-Teatro Constantino Nery, em Matosinhos, Cine-Teatro de Torres Vedras e Teatro Ibérico, em Lisboa. E, de facto, um dos propósitos do diretor artístico da companhia com este trabalho de reinvenção de textos clássicos e de profunda criatividade teatral é levar a voz dos atores às cidades de Portugal e não ficar apenas na capital e no Teatro Ibérico, espaço que a sua companhia ocupa.

De acordo com o encenador, “é no confronto entre a performance e o texto que se ergue esta obra performativa que relê o texto clássico num ato de perversão dramatúrgica e, através das experiências subjetivas dos corpos, vai em busca da sua forma”. «Tempestade» é uma história de vingança e de amor que contém muitas histórias dentro de si. “É uma história de conspirações oportunistas que contrapõe a figura disforme e selvagem dos instintos animais, que habita o homem, à figura etérea, incorpórea das altas aspirações humanas. Contrapõe o baixo com o alto, a terra contra o céu. Contrasta os instintos aos desejos de liberdade. A investigação dessas emoções, desses pensamentos e das suas expressões físicas, são, desde logo, a matéria restante do nosso fazer artístico”, explica João Miguel Garcia.

O espetáculo dá início a um ciclo dedicado às emoções, ao amor, mas também ao ódio que se lhe opõe, “às forças que nos assolam como tempestades e nos sustentam os caminhos”. “As tempestades ilustram, exteriormente, no mundo real, as forças da natureza, assim como as forças interiores. Energias que se chocam invisíveis, das quais os movimentos dos corpos são feitos afinal. Na força à solta, na tempestade, entrevêem-se os movimentos nervosos do corpo. É aí, nesses movimentos subtis e disruptivos, que este espetáculo se irá fundar. Nas forças opostas em confronto, nas zonas de contacto, entre a vida e a morte, na carne que se move por dentro do sonho inconsciente. São essas forças fundidas que emergem do nervo à carne, daí para a pele, e que, a pouco e pouco, se espalham pelo mundo que vamos em busca de interrogar”, sublinha, acrescentando que cada um destes mundos é como uma ilha pessoal. “Para chegar ao outro temos de naufragar e ser aniquilados pelo mar do ser desfeito”.

Ao quebrar-se esta metáfora emocional da tempestade, perde-se, então, a sua condição destruidora e ganha-se em subtilezas. “Ali, na mudança de qualidade, a tempestade encerra uma renovação. O inconsciente torna-se material visível, emerge e transforma os corpos em unidades vivas: espaço e sujeito. A tempestade causa estragos na ordem existente e traz destroços às margens do conhecido, náufragos, memórias devastadas, amnésias como restos de navios tornam-se visíveis, pedaços do fundo do mar falam-nos, a matéria informe e irreconhecível traz sensações físicas renovadas de mistérios esquecidos”, descreve. “O reconstruir de uma certa ordem posterior é já um trabalho que reinventa o corpo, que tira das forças da tempestade o seu saber e o incorpora numa realidade transformada. É este desafio que propomos ao espetador que já conhece Shakespeare e o nosso trabalho. Uma reinvenção do nosso tempo comum”, declara João Miguel Garcia.

Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina

Leia a reportagem completa em:
https://issuu.com/danielpina1975/docs/algarve_informativo__158