Um público verdadeiramente frenético, vindo de vários pontos
do globo, invadiu a Zona Histórica de Loulé de 28 de junho a 1 de julho, para
experienciar todas as propostas diferenciadoras do 15.º Festival MED. As
sonoridades contagiantes da World Music foram o principal destaque deste
encontro cultural à escala global, mas também houve espaço para outras
manifestações artísticas que não deixaram indiferentes os visitantes cada vez
mais fiéis ao «Melhor Festival de Média Dimensão da Península Ibérica».
Concertos com casa cheia nos vários palcos, umas vezes por
tratar-se de nomes consolidados do panorama musical nacional, como foi o caso
de Bonga e Miguel Araújo, no Palco Matriz, ou de Teresa Salgueiro e Sara
Tavares, no Palco Matriz; outras vezes por serem artistas sonantes em termos
internacionais como os franceses Dub Inc e os britânicos Asian Dub Foundation –
ambos a levarem à loucura o público do Palco Matriz; ou apenas pela curiosidade
relativamente à originalidade dos projetos, como aconteceu com Vurro, que atuou
no Palco Castelo.
Foi precisamente com este espanhol que arrancou a
programação nos palcos principais. Com uma caveira de boi na cabeça que lhe
permite dar umas marradas na bateria, enquanto toca teclas, o boogie da sua
música inspirada numa conceção bovina agradou a quem ali foi e que não perdeu a
oportunidade para um «pezinho» de dança. Mas os momentos altos da noite
inaugural foram mesmo as atuações de Miguel Araújo e de Bonga.
O cantautor é um dos nomes mais importantes da música
portuguesa da atualidade e regressou ao palco do MED depois de um concerto em 2013
e com ele trouxe alguns dos sucessos da sua carreira, a solo e nos Azeitonas,
como autor e intérprete: «Fizz Limão», «Dona Laura», «Anda Comigo ver os Aviões»,
«Os Maridos das Outras», «Pica do Sete», entre outros. Já Bonga, que viu a sua
carreira ter uma fase crescente nos últimos tempos depois do grande sucesso na
década de 80, contou com muitos fãs (sobretudo angolanos) em Loulé, passados
poucos dias do concerto no Rock in Rio Lisboa. Os clássicos «Mariquinha», «Lágrima
no Canto do Olho» ou «Kambua» foram cantados em coro pelo público. Nesta noite
passaram ainda pelo MED o projeto indie brasileiro Metá-Metá, os ritmos latinos
da cumbia amazónica dos peruanos Los Mirlos, a releitura da música tradicional
portuguesa e dos seus instrumentos com os Gaiteiros de Lisboa, a folk americana
trazida pela voz e guitarra do quarteirense Sam Alone and The Gravediggers, a
envolvência musical e estética dos Orelha Negra e os novos contextos da música
tradicional, encenada pelo DJ Set Sampladélicos.
Apesar da chuva ter obrigado ao cancelamento dos dois
últimos concertos, na sexta-feira a euforia esteve nas ruas, becos e ruelas da
Zona Histórica de Loulé, sobretudo junto aos palcos. No Palco Cerca, as vozes
femininas foram o grande destaque. Os ritmos quentes de Cabo Verde – um dos
países com representação mais expressiva neste Festival – chegaram a Loulé com
Sara Tavares, a bem sucedida artista no circuito internacional da World Music.
Com a «ginga» que tão bem caracteriza o seu estilo marcado pela soul, a artista
não deixou ninguém indiferente sobretudo em temas como «Balancé».
O «girl’s power» continuou com a atuação de Morgane Ji, a
artista natural da desconhecida Ilha de Reunião que pela primeira teve uma
representação no MED. A sua voz rouca e sensual, com um timbre único, trouxe a
Loulé a força da «Woman Soldier» (título de um dos seus trabalhos), numa mescla
explosiva de pop, rock, eletrónica, com alguns laivos de músicas do mundo,
vincadas pelos seus gritos xamânicos.
Se nestes dois concertos permitiram ao público desfrutar da
magia da música de uma forma mais calma, no Palco Matriz foi a energia
eletrizante dos artistas que levou a plateia ao rubro. Primeiro com os
espanhóis de La Pegatina, numa atuação sempre acelerada onde o lado latino da
rumba e o merengue se juntou às loucuras do punk cigano ou dos cânticos
hooligans para um concerto verdadeiramente alucinante; e depois com aquele que
terá sido um dos melhores espetáculos de todo o Festival e que ficará na
história do MED, com os londrinos Asian Dub Foundation a levarem milhares de
pessoas ao êxtase. O grupo multicultural que apresenta um repertório onde o
dub, drum, bass, reggae ou rock se junta a melodias tradicionais da Índia e
letras de rap, com uma forte componente contestatária contra a opressão e
injustiça social, resultou em Loulé como um produto explosivo em palco.
Foram as condições meteorológicas que levaram ao
cancelamento dos dois últimos concertos: a DJ Selecta Alice (que subiria ao
palco na noite seguinte) e o projeto vibrante de Portugal, Moçambique e Gana, o
Gato Preto. Apesar dos muitos esforços para prosseguir a atuação, depois de
três canções a vocalista Cármen anunciaria a interrupção do espetáculo por
falta de condições em palco. Nesta noite que terminou com cheiro a terra
molhada, destacaram-se ainda os projetos nacionais que subiram ao Palco
Castelo: o guitarrista Ricardo Martins, o jazz de fusão de Bruno Pernadas e o
klezmer de Melech Mechaya.
A noite de sábado voltou a bater recordes de afluência de
público. O fenómeno Dub Inc, a ex-Madredeus Teresa Salgueiro, ou a dupla
cabo-verdiana Bitoria e Chando Graciosa contribuíram em muito para mais uma
casa cheia a juntar ao historial do MED. Considerado por muitos como um dos
tesouros da cultura portuguesa contemporânea, a voz de Teresa Salgueiro que já
percorreu o mundo inteiro teve um encontro com esse mesmo mundo em Loulé. Um
momento intimista, onde foram recordados os grandes hinos do seu antigo grupo,
como «Vaca de Fogo» ou «O Pastor», temas do seu trabalho a solo, ou até mesmo a
versão de «Canção de Embalar» de José Afonso.
No largo da Matriz, uma multidão esperava dois dos vários
artistas de Cabo-Verde que fizeram do funaná um fenómeno de dança à escala
internacional. Bitori «Nha Bibinha» e Chando Graciosa não defraudaram as
expetativas, sobretudo dos muitos africanos residentes no Algarve que aqui
vieram assistir a uma atuação vibrante de dois senhores que celebram o funaná
tradicional, sem esquecer que esta é também uma arma de protesto. Aliás, a
música como veículo de contestação política, social, ideológica foi uma
constante nesta edição do Festival MED. Vindos da Palestina, os 47 Soul
deixaram bem presente o que é o longo conflito com Israel. Os polacos Hanba!
recriaram o espírito rebelde, revolucionário e libertário dos oponentes aos
regimes no período entre as duas Grandes Guerras na sua cidade natal, Cracóvia.
Enquanto que os Dub Inc, considerados como o maior fenómeno do reggae europes,
não esqueceram a vida dos imigrantes, sobretudo num país como França. Também
este foi um dos concertos marcantes do MED, com o grupo de diferentes origens a
trazerem a Loulé esta fusão do reggae tradicional, hip-hop, eletrodub, ritmos
magrebinos ou música eletrónica numa sonoridade refrescante.
Depois de uma atuação no Cine-Teatro Louletano durante a
apresentação da edição transata do MED, os Tribali pisaram o Palco Cerca já com
muitos fãs nesta cidade. Marcada pela originalidade da conjugação instrumental
(cítara e didgeridoo, guitarras elétricas e percussões), mas também por um
ambiente hipnotizante de transe que passa muito pela voz e movimentos da
cantora/bailarina, a banda da República de Malta deu tudo em palco. A narrativa
da viagem de um meteoro contada em palco pelos farenses Ridding a Meteor, a
guitarra portuguesa de Ricardo Martins e os frenéticos tunisinos Ifriqiya
Electrique com o seu ritual Banga passaram nesta derradeira noite pelo Palco
Castelo. A 15.ª edição do Festival MED terminou em festa, com dois DJs set que
puseram a Matriz a pular: Selecta Alice e os Irmãos Makossa.

No final, Carlos Carmo, diretor do Festival MED e vereador da Autarquia de Loulé, fez um balanço “bastante positivo” desta 15.ª edição, destacando a afluência do público, sobretudo na sexta-feira e no sábado, com as ruas repletas de pessoas e os concertos cheios de espetadores. “Se, inicialmente, este era um festival atrativo por todo o ambiente à sua volta e os artistas eram na sua maioria desconhecidos do grande público, cada vez mais os visitantes vêm aqui à procura das bandas que apresentamos no cartaz. Talvez porque, cada vez mais, as pessoas estão familiarizadas com o conceito da World Music”, considerou, sublinhando ainda a “dinamização da atividade económica do concelho, do comércio à restauração, passando pelas unidades hoteleiras, e o contributo para o turismo”, com um aumento significativo do número de turistas de diferentes nacionalidades na cidade nestes dias.