Era para ser, assim estava anunciado, um concerto em formato acústico… mas de acústico apenas teve, talvez, o facto dos músicos estarem a maior parte do tempo sentados, embora depressa se percebesse que Miguel Guedes pouca vontade tinha de estar parado. E embora nada tenha contra o acústico, a verdade é que, para mim, enquanto espetador, a música dos Blind Zero é mesmo para ser ouvida com guitarradas a plenos pulmões, com o baixo bem grave, com o ritmo imposto pela bateria em volume alto. E assim aconteceu na noite de 12 de outubro, no Cine-Teatro Louletano, com a banda portuense a trazer na bagagem a quase totalidade dos temas de «Often Trees», disco lançado em 2017, mas também muitos dos sucessos de outros tempos, de onde pontificaram canções como «Recognize», «Tree», «Shine On» e «Slow Time Love».

Apesar do formato acústico pouco convencional, ou menos acústico do que estávamos à espera, um concerto mais intimista dá uma maior dimensão à palavra e permite que a viagem pelo repertório incida sobre pormenores que, de outra forma, quase passariam despercebidos. Por isso, alguns temas chegaram aos nossos ouvidos pelo caminho mais longo, com arranjos especiais que pouco se compadecem com espetáculos ao ar livre e com os ambientes mais ruidosos dos grandes festivais de Verão.

Nesta noite especial foi fácil assimilar toda a magnitude do oitavo disco dos Blind Zero, um álbum surpreendente, químico, intemporal e revelador da enorme criatividade da banda. Editado em CD, cassete e vinil, «Often Trees» regista a capacidade de reinvenção do quinteto que conta já com 24 anos de carreira e um percurso ímpar. Estreado ao vivo na Casa da Música, no Porto, «Often Trees» engloba, de acordo com a banda, “um imaginário sombrio e poético, de perseguição e novelos, passeia pela berma dos lagos e sobe à copa das árvores”. E este imaginário não podia ser mais tenso. “É um disco de mutação sonora, onde a cada escuta multiplicam-se novas camadas. O seu tronco robusto assenta também no uso de equipamento analógico com mais de quatro décadas e na longa experimentação em busca do detalhe”, explicam.

Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina