À semelhança dos «Serões da Primavera», também os «Serões de Outono» dinamizados pela Casa do Povo de Santo Estêvão, no interior do concelho de Tavira, têm gerado grande entusiasmo e atraído muita gente a «este canto quase no fim do mundo», como costuma dizer, na brincadeira, o presidente da Direção, José Barradas. Antevia-se, portanto, uma boa casa na noite de 17 de novembro, por ocasião do concerto de Rita Redshoes com o guitarrista Bruno Santos e, de facto, a lotação mais que esgotou. E o que prometia ser um espetáculo intimista transformou-se em muito mais do que isso, numa noite verdadeiramente especial.

Primeiro porque se tratava do primeiro concerto que Rita Redshoes dava depois de ter sido mãe da pequena Rosa Flor, agora com dois meses de idade. Depois, porque tinha a seu lado, em palco, precisamente o companheiro, Bruno Santos. Finalmente, porque Rita cantou em público, pela primeira vez, uma canção que compôs assim que soube que estava grávida. Um momento em que as emoções estiveram à flor da pele e em que a artista não conseguiu conter as lágrimas. Lágrimas prontamente respondidas por bastantes palmas, não estivessem na plateia muitas mulheres, também elas sabedoras da magia que é ser mãe. “Ainda não sabia qual o sexo da criança, mas estava convicta que ia ser uma menina”, explicou Rita, e assim apareceu a bela canção «Rosa». 




Sensivelmente um ano e meio depois de ter visto Rita Redshoes vibrante, elétrica, de sorrisos nos lábios, a promover o seu mais recente disco, «Her», no Cine-Teatro Louletano, reencontrei nesta noite uma Rita menos elétrica e mais acústica, num formato mais intimista e onde as influências jazzistas de Bruno Santos estão bem patentes. Mas nota-se, igualmente, que estamos perante uma mulher diferente, e outra coisa não seria de esperar. “Antes, as minhas atenções estavam focadas na música e na minha carreira, com uma filha tudo muda. Estive em palco de alma e coração, mas agora quero voltar a correr para junto da minha filha, que ficou com a minha mãe no hotel”, confessa, ainda de olhos húmidos. 


Pouco preocupada com protocolos e demasiadas formalidades, Rita sempre gostou de conversar com o público, já isso se tinha visto em Loulé, mas, em Santo Estêvão, depressa se criou um laço especial com as mulheres presentes na assistência. Aliás, a artista partilhou alguns episódios destes seus dois meses como mãe, perguntou se é normal as bebés fazerem birras ao final da tarde e até confessou que, na primeira vez que cantou, em voz alta, para a filha, esta desatou a berrar. “Tanto o Bruno como eu, nos projetos que temos isoladamente, possuímos este à vontade em palco e, em locais como a Casa do Povo de Santo Estêvão, ainda mais sentido faz para mim partilhar com o público as histórias por detrás das canções. Parecia que estava numa sala de estar com os amigos e, confesso, estes são os concertos de que mais gosto”, garantiu a entrevistada. 



Muito bem funciona também musicalmente o «casamento» entre Rita Redshoes e Bruno Santos, algo que aconteceu de forma natural. “Ainda que o repertório seja quase exclusivamente escrito pela Rita, eu, vindo do jazz, habituei-me cedo a interpretar os temas à minha maneira, com muita improvisação. Gosto dos temas dela, percebi que havia ali espaço para dar as minhas «voltinhas», pedi licença para o fazer, experimentamos e as coisas resultaram bem”, descreve, com um sorriso, o madeirense. “É bom quando se confia musicalmente nas pessoas com quem se está a tocar, cria-se espaço para o inesperado e para a improvisação e, de repente, deixamo-nos ir pelo momento. Os concertos ganham magia quando não é uma repetição constante e dos enganos nascem coisas diferentes e vamos para outros sítios. Isso é que é fazer música”, defende Rita Redshoes. “O público é que faz o concerto e fico bastante feliz quando sinto que tenho à minha frente pessoas que realmente ali querem estar e que estão de facto a ouvir-me. Essa generosidade tremenda das pessoas dá-me uma vontade enorme de partilhar com elas o máximo de coisas que eu esteja a sentir naquele momento”, reforça a cantora. 



Entretanto, com a gravidez e o nascimento da filha, acabou por haver pouco tempo para partilhar o disco «Her» na estrada, de modo que Rita Redshoes ainda tem vários concertos da digressão pela frente. “Mas vou tentar, a partir de janeiro, escrever o disco novo quando a Rosa Flor me deixar. Já tenho algumas canções que compus enquanto estava grávida, vamos ver se ela me dá umas folgas”, adianta, com uma risada. Quanto a este formato a dois, é um projeto em que os espetáculos irão acontecer de forma natural, declara Bruno Santos. “Há uns tempos convidei a Rita para ir à Madeira comigo e deu-se a oportunidade de tocarmos num festival que era direcionado para a guitarra. Não assumimos isto como um projeto de raiz que agora vai andar na estrada e gravar discos. E, como estes concertos vão acontecendo esporadicamente, ainda nos sabe melhor tocar o repertório, sempre com a preocupação de ir mudando algumas coisas para dar frescura aos espetáculos”, esclarece o guitarrista.

Resta-nos então esperar pelo novo disco de Rita Redshoes, que provavelmente será maioritariamente constituído por temas cantados em português, depois de a artista ter gravado três canções na língua de Camões em «Her». “A Rosa e o Bruno são duas grandes inspirações que tenho e a vontade é mesmo continuar a escrever em português, de preferência para lançar o álbum ainda em 2019, se a filhota deixar”, termina com mais um sorriso. À porta, entretanto, três fãs a esperavam com ramos de flor. E, mais importante ainda, no hotel tinha à sua espera a melhor flor de todas, a Rosa Flor.

Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina