Há quase
nove anos que o LAMA – Laboratório de Artes e Média do Algarve se fundou em
Faro, uma estrutura com direção artística de João de Brito dedicada à criação
de espetáculos teatrais e multidisciplinares originais que privilegiam a
itinerância nacional, fazendo desta a sua marca de trabalho. E em fevereiro
estreia a sua nova criação, «Elastic» no Cine-Teatro Louletano, em Loulé, e no
Teatro Ibérico, em Lisboa, com o apoio do programa «365 Algarve».
Na peça, passaram
dez anos e quatro amigos voltam a encontrar-se. O barco é o mesmo, os
instrumentos e as músicas também, mas há algo de diferente. As relações
mudaram, as conversas viraram disputas, os sentimentos amarguraram. Numa
tentativa de voltarem ao passado, os amigos são confrontados com uma realidade
que já não conhecem e, entre histórias embaladas em música, gargalhadas
poéticas e discussões absurdas, fica cada vez mais óbvio no que cada um se
tornou. Será a amizade capaz de sobreviver à mudança?
De
acordo com João de Brito, «Elastic» propõe a construção de um poema cénico,
tomando um poema (a literatura) como forma primitiva, para o esticar até ao
máximo das suas possibilidades formais, sem nunca, no entanto, o deformar. “Esta
experimentação cénica segue uma fórmula sinestésica, pretendendo alcançar a
união possível a partir da flexibilidade de todos os elementos que serão
reunidos neste espetáculo híbrido”, explica. “Elastic convoca a sinestesia
entre música, literatura e drama, numa experiência onde são precisos os olhos
para ouvir a música, o tato para alcançar o poema, o olfato para atingir o
drama e o paladar para saborear o conjunto”, continua o encenador farense.
Sensação
simultânea é o que se pretende alcançar com Elastic na verificação das
extensões possíveis de cada disciplina artística, numa comunhão que almeja
celebrar cada uma das artes num objeto artístico que, por via da sabotagem da
expressão exclusiva de cada uma das áreas, vai estendendo e diminuindo as suas
qualidades, dentro da elasticidade possível. Uma coletânea de poemas de autores
algarvios empresta as suas palavras a Elastic, casos de António Ramos Rosa,
António Aleixo, João Bentes, Pedro Afonso, João Lúcio, Fernando, Cabrita,
Rogério Cão, entre outros, que são cantados, interpretados e musicados
simultânea ou separadamente. "Os seus poemas especulam sobre o que são os
vocábulos, o que é o discurso, qual o papel do silêncio no desenho das palavras
e filosofam sobre a importância da música e da sonoridade na comunicação", indica
João de Brito.
Em «Elastic»,
o ambiente sonoro é convocado para o jogo cénico por uma banda de inspiração
rock, composta por músicos, que são afinal atores. Os protagonistas Rock
acompanham a cantora ou, aliás, a atriz, que é quem dirige a palavra poética. É
ela quem estica a literatura da cena, ao mesmo tempo que entrega ao público a
palavra cantada, falada ou sugerida pelo artifício teatral. A intérprete
investe num exercício sobre a palavra, sobre a declamação do verbo e a sua
usurpação. A métrica da música e da palavra apresentam-se num exercício
conjunto, um exercício que pretende «imaginar a forma/doutro ser na língua», tal como António Ramos Rosa expõe em «A Partir da Ausência». “O elenco é tanto elenco quanto orquestra, e o espetáculo não sabemos: será Teatro? Poesia? É um concerto? Por via da qualidade elástica das diferentes artes, a experiência cénica pretende anular as diferenças entre linguagens, associando à efemeridade do teatro a abstratividade da música e a complexidade da linguagem e da comunicação”, considera o encenador.
Assim, em palco são experimentadas as teorias hegelianas sobre a música e a poética da palavra de Ludwig Wittgenstein, distendidos até ao limite máximo dos seus argumentos filosóficos. “Quão complexa é a comunicação com o outro? De que forma se pode experimentar a elasticidade da linguagem, que Wittgenstein propõe? Quão flexível é o pensamento de Hegel, que coloca em xeque a mortalidade/imortalidade da música? Quão hegeliana é a música como arte, na tentativa de expressar o eu? Que extensão tem a música como missão, de acordo com o filósofo, de «fazer ressoar o eu mais íntimo, a sua mais profunda subjetividade, a sua alma ideal?». Estas questões são polidas com os textos poéticos escolhidos para «Elastic», onde a realidade cénica não é apenas composta de matéria objetiva”.