O Pavilhão Multiusos de Aljezur acolhe, de 22 a 24 de
fevereiro, a II Bienal de Turismo de Natureza, organizada pela Associação
Vicentina e a sucessora do primeiro encontro realizado em 2014, no âmbito do
Plano de Desenvolvimento Rural, numa altura em que se apostava muito na diversificação
das atividades dos territórios rurais. “A agricultura decresceu, o que deu
origem a algum despovoamento, e tentou-se fixar as populações e criar-se novas
atividades económicas nestes territórios ambientalmente qualificados. Apareceram
incentivos ao investimento na área do turismo de natureza, nasceram microempresas,
a oferta começou a estruturar-se, mas de forma ainda incipiente, com baixo
volume de negócio, sem grande expressão em termos económicos e turísticos”,
recorda Aura Fraga, presidente da direção da Vicentina.
Com o evoluir do tempo mudaram as motivações relativas ao
turismo, os visitantes davam mais importância ao contacto com o património
natural dos territórios, com a cultura local, os recursos endógenos, o que conduziu
a uma maior estruturação destes produtos, levando a Vicentina, a In Loco e a «Terras
do Baixo Guadiana» a levar por diante a primeira Bienal de Turismo de Natureza.
“Estamos sempre preocupados com o desenvolvimento dos territórios de baixa
densidade – embora eu prefira chamá-los territórios rurais – portanto, é
preciso dar-lhes oportunidades para fomentarem atividades económicas e fixarem
populações. Aquele encontro foi uma forma de afirmar que já existia uma
expressão significativa de empresas a trabalhar neste produto turístico, reunimos
à volta de 100 expositores num evento interessante”, conta a entrevistada.
Cinco anos depois regressa a Bienal de Turismo de Natureza,
um hiato de tempo justificado porque se trata de uma organização complexa e que
envolve um orçamento expressivo. Em simultâneo, as próprias entidades do setor e
os municípios começaram a dar mais valor e a promover este tipo de turismo, o
que foi diminuindo a necessidade de se repetir o evento. A segunda edição nasce,
então, por iniciativa da Vicentina, aproveitando os fundos disponíveis do PADRE
- Plano de Ação de Desenvolvimento de Recursos Endógenos da AMAL e da CCDR
Algarve. “Estamos a falar de investimento público para alavancar os
investimentos privados que são feitos nos territórios de intervenção das ADL – Associações
de Desenvolvimento Local e a Vicentina achou por bem propor, para além de
outros projetos intermunicipais, a realização de mais duas edições da Bienal de
Turismo de Natureza, em parceria com grande parte dos municípios e entidades da
região”, explica Aura Fraga.
O certo é que, nos últimos anos, dispararam as iniciativas,
os programas, os planos de apoio ao turismo de natureza, seja da parte do poder
central ou do poder local, porque se percebeu a tremenda riqueza que existe,
nesta matéria, no Algarve, mas também porque os turistas começaram a procurar
este tipo de produtos. “Uma coisa puxa a outra. Se temos oferta, percebemos que
há procura e, se há procura, verificamos que existe uma oportunidade para se criar
essa oferta. Cada vez os turistas valorizam mais o património natural e
cultural e os produtos locais, ao invés de estarem num sítio descaracterizado,
sem ligação ou contato com a cultural local. Fala-se muito do desenvolvimento
do interior, um conceito a que sou um bocadinho resistente porque, na minha opinião,
temos apenas um território, embora com características diferentes. Essa divisão
entre interior e litoral é sempre um pouco discriminatória e tem efeitos na
imagem que se transmite às populações e às pessoas em geral”, alerta a dirigente
associativa.
Mudaram-se os tempos e as motivações, mas o Turismo de
Natureza continua a ser um nicho, “mas um nicho importante e que pode ser
qualificado, interessante, em termos de oferta e procura”, observa Aura Fraga. “Quando
se faz turismo de natureza, as pessoas vêm à procura da cultural local e de
encontrar quem a transmita com qualidade e rigor. Isso implica trabalhar com biólogos,
geólogos, historiadores, é necessário um cruzamento de áreas de saber para se qualificar
a oferta”, entende Aura Fraga, acrescentando que a seleção de Aljezur para
acolher a Bienal de Turismo de Natureza 2019 foi meramente instrumental. “Pedimos
opiniões, falamos com todos os municípios, procuramos um consenso. Há quem
pense que o evento deve acontecer sempre no mesmo local, outros pensam que deve
mudar de sítio, mas a Bienal não existe para se promover um concelho em
particular, mas toda a região, e pretende ir ao encontro de todos os stakeholders que trabalham nesta área, das
instituições responsáveis pela gestão do turismo, dos municípios responsáveis
pela gestão do território”, aponta a entrevistada.
Com a sustentabilidade em cima da mesaOrganizar o evento não foi tarefa fácil, porque inclui um ciclo de debates com as principais entidades certificadoras de turismo sustentável, nacionais e internacionais, de forma a proporcionar um olhar sobre o potencial do Algarve, com enfoque nas áreas da Rede Natura 2000, para se afirmar como um destino turístico sustentável a nível social, económico e ambiental. Irão acontecer, igualmente, mesas redondas com decisores e especialistas da região em debate e reflexão conjunta sobre uma visão para o território, assente num desenvolvimento sustentável. E muito mais, garante Aura Fraga. “Estamos a preparar o evento há dois anos, porque quisemos reunir as pessoas, colocá-las a refletir sobre as tendências atuais em termos de Turismo de Natureza, fazer alguma transferência de conhecimento, e o que está na ordem do dia é a sustentabilidade. As Nações Unidas lançaram os objetivos do desenvolvimento sustentável, a Organização Mundial do Turismo indicou 2017 como ano para a sustentabilidade no turismo. Sendo assim, procuramos desenvolver um programa que contribuísse para a reflexão sobre um tema atual e necessário”, sublinha a responsável da Vicentina.
Um programa que contempla os stakeholders do Algarve, mas também do resto do país, para se conhecer o que se vai fazendo noutros territórios, nomeadamente no que toca às certificações em redor da sustentabilidade, salienta Aura Fraga. “Ao longo da nossa pesquisa percebemos que há quem já trabalhe na certificação de destinos sustentáveis e entendemos que é importante partilhar esses casos. Teremos cá muitos especialistas e entidades que vão acrescentar valor à nossa reflexão para compartilhar, tanto no ciclo de debates, como nas mesas redondas e nas oficinas. É uma reunião para partilha de conhecimentos e estabelecimento de parcerias”, reforça. “Primeiro temos que compreender o que é a sustentabilidade e encontrar instrumentos e metodologias de trabalho, só depois é que convém recorrer aos fundos disponíveis. Falamos todos de sustentabilidade, mas, na prática, como é que montamos um negócio sustentável e que contribua para os objetivos sustentáveis de uma região? É preciso primeiro transferir-se conhecimentos, encontrar-se consensos, para se aplicar no dia-a-dia no desenvolvimento dos negócios e na gestão das empresas e instituições”, defende Aura Fraga.
A presidente da Vicentina aponta, entretanto, que todo o Turismo
pode, e deve ser sustentável, e não apenas o Turismo de Natureza, embora neste
caso a urgência seja maior por viver de um património natural que deve ser
mantido. “Se o Turismo de Natureza crescer de forma descontrolada e insustentável
torna-se autofágico, vai ele próprio consumir os seus recursos. As modas são
importantes porque geram uma maior dinâmica que permite que os produtos sejam sustentáveis
do ponto de vista económico, para que haja uma procura com expressão significativa.
Mas é preciso que haja um planeamento estratégico para que o Turismo de
Natureza cresça de forma controlada e que permita o equilíbrio entre a sustentabilidade
ambiental, social e económica”, considera, o que leva a conversa de regresso à
Bienal de Turismo de Natureza. “Teremos cerca de 50 oficinas, muitas delas
sobre o Património Natural, cujo valor continua a ser desconhecido pelos próprios
algarvios. Convém não esquecer que mais de 40 por cento da região é Rede Natura
2000”, evidencia Aura Fraga, adiantando ainda que gerir empresas vocacionadas
para o Turismo de Natureza tem as suas próprias especificidades e desafios. “O fundamental
é que a oferta seja clara e honesta, de modo a não defraudar as expetativas dos
clientes”.
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina e Comunica.me