Maria de Belém Roseira, Rogério Bacalhau e Carlos Baía |
O Município de Faro assinou, no dia 18 de março, o protocolo
de adesão formal ao Programa Abem - Rede Solidária do Medicamento, uma
iniciativa da Associação Dignitude que pretende dar resposta aos problemas de
acesso ao medicamento que afetam um em cada 10 portugueses, de modo a garantir
que todos possam adquirir os remédios comparticipados que lhes são prescritos. Os
beneficiários do Abem são pessoas que se encontram numa situação de carência
económica e a cada um é atribuído um cartão que lhe permite comprar os medicamentos
prescritos em qualquer farmácia do país, sem mais burocracias e com a dignidade
que merece.
Para que tal seja possível, o Abem estabelece parcerias locais e promove sinergias, contando com a ajuda das farmácias aderentes e de entidades referenciadoras locais, às quais se junta agora, no Algarve, a Câmara Municipal de Faro. “As pessoas foram feitas para se relacionarem umas com as outras e, independentemente da natureza das instituições, é bom que trabalhemos todos em conjunto, porque assim temos mais força e, neste caso, preservamos o valor fundamental da dignidade humana”, afirmou Maria de Belém Roseira.
A Procuradora Oficial da Associação Dignitude lembrou que o
Programa Abem nasceu da identificação de um problema por parte das farmácias e que,
nos tempos em que possuíam maior robustez financeira, tentavam resolver por
elas próprias. “A partir do momento em que muitas farmácias começaram a ter
problemas de solvabilidade por causa das alterações das regras de financiamento
dos medicamentos e da sua venda noutros espaços, deixaram de ter músculo para
conseguirem ajudar as pessoas que se dirigiam aos balcões e que não tinham
dinheiro para aviar as receitas na sua totalidade ou simplesmente para comprar
qualquer dos medicamentos prescritos”, evidenciou a antiga Ministra da Saúde de
1995 a 1999.
Este problema veio a ser validado cientificamente por um
estudo recente da Faculdade de Economia da Universidade de Lisboa, que
identificou que 10 por cento dos portugueses não conseguem comprar os seus
remédios. “Numa primeira fase, o programa teve um cariz de responsabilidade social
corporativa, mas era necessário agregar outras entidades para preservar a
dignidade das pessoas. Assim se juntaram a Caritas, a União das Misericórdias e
a União das IPSS, mas entendemos que o poder local é o mais próximo dos
cidadãos e bem sabemos que desenvolve vários programas de apoio social, pelo
que faria todo o sentido realizar estas parcerias com as autarquias”, explicou
Maria de Belém Roseira, chamando a atenção para os prejuízos que advêm para a
sociedade pelo facto de as pessoas não seguirem a medicamentação que lhes foi
prescrita pelos seus médicos. “Um prejuízo económico, mas também de disfunção
social. Um estudo de 2018 da OCDE estima que a não adesão à terapêutica contribui
para quase 200 mil mortes prematuras. Se pensarmos no número de anos perdidos,
o cenário é ainda mais assustador”, enfatizou.
Particularmente vulneráveis a esta situação são os doentes
crónicos, com as taxas de mortalidade advindas do abandono da terapêutica a serem
duplamente superiores às das pessoas que podem tomar os seus medicamentos conforme
prescritos. E foi para tentar atenuar esta realidade que nasceu, nas palavras
de Maria de Belém Roseira, esta associação que busca a dignidade com atitude. “A
dignidade tem que ser praticada e só os parceiros deste programa é que sabem da
realidade social e económica dos beneficiários, e já o sabiam antes de aderirem
ao Abem. Depois, quando os beneficiários vão ao balcão de uma farmácia,
utilizam um cartão igual a tantos outros, sem necessidade dos outros clientes ficarem
a conhecer as suas debilidades financeiras, e todos os movimentos são efetuados
através de uma plataforma informática que gere o reembolso do dinheiro que as
farmácias adiantaram”.
Nada disto seria possível sem o Fundo de Solidariedade da
Associação Dignitude que é integralmente utilizado para financiar o Programa
Abem, com a Procuradora Oficial a garantir que todos os donativos e
contribuições são rigorosamente registados e contabilizados. “Tudo o que as
pessoas dão, seja pela consignação do IRS, pelos donativos que fazem voluntariamente
ou pelas campanhas que realizamos no terreno, é depositado nesse fundo. O
Programa Inovação Social deu-nos um financiamento importante para que esta
plataforma informática seja segura, adequada, eficaz e eficiente e já este ano
recebemos um prémio da NATO ao qual concorremos com muitas instituições de
países de toda a União Europeia. Em dois anos já temos cerca de 120 entidades
referenciadoras e abrangemos cerca de oito mil beneficiários”, destacou ainda
Maria de Belém Roseira.
No uso da palavra, Rogério Bacalhau agradeceu prontamente à
Associação Dignitude por ter criado o Programa Abem, porque vem combater um problema
concreto que tem um forte impacto na vida das populações. “O esforço que o
Sistema Nacional de Saúde faz muitas vezes não chega para que todas as pessoas
consigam tomar a sua medicamentação de forma regular. É uma situação transversal
a todas as faixas etárias, embora se note mais na terceira idade, porque os
idosos têm menores rendimentos fruto das suas parcas reformas e, à medida que
os anos passam, necessitam cada vez mais dos seus remédios”, reconheceu o
presidente da Câmara Municipal de Faro, que há algum tempo tinha intenção de
atuar diretamente sobre este problema.
De acordo com o protocolo, cada cartão terá um plafond anual
de 100 euros, destinado a pagar a parte não comparticipada pelo Estado do custo
dos remédios prescritos pelos médicos. “Se não tivéssemos uma rede social, dificilmente
Portugal seria o país que é, porque os poderes públicos não conseguiriam chegar
a tantas famílias e porque também não podemos estar à espera que o Estado
resolva todos os problemas que existem. Queremos chegar rapidamente aos 100
utentes e depois vamos ver que população continua a precisar deste apoio”,
concluiu Rogério Bacalhau.
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina