Eram para ser quatro apresentações, um número ambicioso, até
arriscado, de sessões de teatro se pensarmos na multiplicidade de eventos
culturais que estavam a acontecer um pouco por todo o Algarve em setembro. Mas
a Mákina de Cena, associação cultural nascida ainda há não dois anos, em Loulé,
é isso mesmo, ambiciosa, irreverente, movida a energia nuclear pela dupla
dinâmica Carolina Santos/Marco Martins e por um conjunto de amigos que se
deixaram contagiar pelo seu entusiasmo. E assim se programou «O Relatório da
Coisa» a partir do conto de Clarice Lispector, para os dias 17, 18, 19 e 21 de
setembro, na Casa da Mákina.
Eram para ser quatro, mas tiveram que ser cinco, porque a
tremenda adesão de público obrigou à realização de uma sessão extra na tarde do
domingo, 22, e se calhar mais não se fizeram porque iriam chocar com a restante
programação da Mákina de Cena. Uma programação que Marco Martins abordou de
forma resumida, na noite de estreia, enquanto Carolina Santos e Ana Karina se
preparavam para lá das cortinas, na sala de ensaios/espetáculos/formação e tudo
o mais que a dupla de diretores artísticos da Mákina de Cena se lembrar de
organizar e dinamizar. E a expetativa ia aumentando entre o público, desejoso
que o espetáculo começasse.
Entre analogias e referências múltiplas, «O Relatório da
Coisa» foi escrito por Clarice Lispector e publicado em 1974, assumindo um novo
significado num mundo moderno que, para além de ser muito eletrónico, se viciou
no virtual e no digital, e onde «ser» já não pertence exclusivamente ao domínio
do real e material. “Porque, de acordo com este relatório, uma das barreiras a
ser vencida para chegar ao que «é» consiste na desvalorização da palavra e em
anteceder a nomeação. Assim como o relógio não dá conta do significado do tempo,
a palavra poderá ser ineficaz na sua capacidade de significar”, explica
Carolina Santos que, com a colaboração de Marco Martins e Ana Karina, se propôs
transpor «O Relatório da Coisa» para cena num formato intimista, “que cruza a
poética do absurdo com a arte de contar histórias, privilegiando a imaginação,
ora abolindo a quarta parede, ora intensificando a solidão do intérprete na
procura daquele espaço misterioso que antecede a verbalização das coisas”,
acrescenta a atriz e encenadora.
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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