A Paróquia de Tavira vai inaugurar uma coleção visitável de
Arte Sacra, no dia 8 de dezembro, pelas 16h, que estará patente na Igreja de
Santa Maria do Castelo, no horário normal de funcionamento ao público deste
local. Intitulada «Assim na terra como no céu» (passagem do Evangelho de S.
Mateus - 6,10 - e um dos excertos do Pai-Nosso), torna ainda mais clara a forte
ligação da cidade de Tavira à Fé Católica. Nas palavras dos seus curadores,
Marco Lopes (Diretor do Museu Municipal de Faro) e Daniel Santana (Técnico de
Património da Câmara Municipal de Tavira), há “uma forte carga religiosa e espiritual,
que tem repercussão natural na história, na arquitetura e na arte em Tavira,
quer na conquista do território, na administração dos templos, na construção de
novos edifícios religiosos e nos hábitos sociais da comunidade local, que
participa nos ofícios litúrgicos ou nas procissões”.
«Assim na terra, como no céu», significa que a Igreja,
enquanto intérprete da vontade divina, estabelece as regras e os comportamentos
da sociedade e dos ministros da Fé, traduzindo-os depois numa série de objetos
artísticos que devem respeitados e adorados. Este local que agora será
inaugurado esteve fechado ao público durante algum tempo, tendo sido feito um
trabalho de renovação do espaço expositivo, “utilizando as mesmas salas e
mantendo alguns dos objetos”, explicam os curadores. “Além de um novo
mobiliário, que destaca e valoriza as peças, sem esquecer as questões de
conservação, este núcleo expositivo terá textos explicativos, que desenham um
fio condutor entre a história de Tavira e a vida religiosa local, durante os
séculos XV e XVIII”. Do mesmo modo, houve o cuidado de que as peças não se
limitassem a ter “uma legenda lacónica, com data e títulos, mas a uma descrição
breve do seu significado histórico e artístico”. Todos estes textos serão
também traduzidos para a língua inglesa, já que a cidade é muito frequentada
por turistas estrangeiros, que assim poderão acompanhar “todo o raciocínio da
exposição e a identidade das peças”, salientam os dois responsáveis pela
preparação e organização da coleção visitável, que, oportunamente, também terá um
catálogo, com textos mais desenvolvidos em relação aos temas e às peças em
exibição.
Os visitantes encontrarão “essencialmente peças de caráter
religioso, com funções devocionais, usadas em contexto de cerimónia litúrgica
ou como elementos de culto”, explicam Marco Lopes e Daniel Santana. Desde pinturas,
a imagens religiosas de vulto, passando por extraordinárias peças de arte nanbam,
paramentaria, livros e ourivesaria, muitos deles originais de Santa Maria,
outros de Santiago e alguns de São Paulo, todos estarão acessíveis e com
informação que explicará a sua origem e função. “A razão da escolha destas
peças obedece a dois critérios, um cronológico e outro temático, que andam lado
a lado”, referem os dois especialistas em património e museologia. “A história
da cidade de Tavira é indissociável da vida religiosa, desde logo da igreja de
Santa Maria. Quisemos dar testemunho, no início da exposição, à entrada dos
cavaleiros santiaguistas e ao culto dos mártires, mas também ao contacto
internacional desta localidade, patente em obras ou artistas que têm origem
longínqua. Depois entramos no barroco, com peças dos séculos XVII e XVIII, que
nos situam numa época de luxo artístico, de muitas construções religiosas em
Tavira e no aparecimento de várias confrarias, em que a encenação e o
espetáculo dominam no interior dos templos”.
A seleção das peças foi, na perspetiva dos curadores, o
maior desafio, já que houve que atentar ao número e qualidade das mesmas, de
forma a escolher as que pudessem caber nas salas reservadas a esta mostra. “Existia
uma ideia bem definida dos temas, que tinha de se adaptar a um espaço pequeno”,
esclarecem, mas consideram que “por ser um núcleo de peças relativamente bem
conhecido, quer por ter entrado em exposições anteriores, quer pela
investigação feita à sua volta, a preparação não teve grandes dificuldades”. Miguel
Neto, Pároco de Tavira, esteve, naturalmente, envolvido no projeto, tendo sido,
desde a sua chegada a esta Paróquia, em 2017, uma das suas maiores
preocupações, a salvaguarda do património e a sua disponibilização ao público
em condições que garantissem a fruição e compreensão das peças e a sua relação
com a história da cidade, bem como a segurança e a recuperação deste acervo tão
vasto e tão importante. “Desde logo que a minha inquietação foi encontrar
formas, nomeadamente ao nível dos recursos financeiros, para poder investir num
projeto deste tipo”, indica o sacerdote, salientando que “as receitas geradas
pela cobrança de entradas e pela loja da ARTgilão são as que efetivamente
custearam esta mostra, pois não há investimento algum de dinheiro público neste
projeto e ele monta os 22 mil euros”.
A Paróquia de Tavira contratou para vir a melhorar o
trabalho de preservação dos seus espaços e património, duas técnicas de
restauro e esse trabalho tem dado frutos. Gerou, igualmente, algumas parcerias,
nomeadamente com a Santa Casa da Misericórdia de Tavira, com quem têm sido
realizadas algumas outras exposições. “Acredito que a comunhão se gera no
trabalho conjunto, um trabalho sincero, honesto, voltado para a valorização do
património, mas também do sentido de comunidade, pois o que mais gostaria, no
final do meu percurso por estas terras, era perceber que as pessoas são capazes
de abdicar da si mesmas, das sua particulares idiossincrasias, para criarem
valor para todos, para serem verdadeiras testemunhas da sua história, da sua
tradição, preservando-as”, conclui.
Também Marco Lopes e Daniel Santana consideram que este
trabalho que agora se torna público “é acima de tudo um ato de respeito e dignificação
do património e da memória histórica, quer da cidade, quer da paróquia”, bem
como “um sinal dos novos tempos, em que estes tesouros começam a ser
valorizados do ponto de vista expositivo, mas também da sua conservação e da
sua divulgação turística”. E acrescentam: “Se hoje em dia as igrejas valem por
si enquanto espaços de interesse cultural e turístico, esta exposição vem
ampliar a oferta do roteiro de visitas nos espaços religiosos e no centro
histórico de Tavira”. E todos – curadores e sacerdote – estão de acordo num
ponto: o trabalho não deve terminar por aqui. “Este é um passo importante para
o inventário destas peças e de outras que estejam nas igrejas tavirenses, para
a monitorização do estado de conservação e recuperação daquelas que tenham essa
necessidade e para abertura de novos núcleos de arte sacra”, afirmam os
curadores, considerando mesmo que “pode ser um ponto de partida para uma
politica de proteção, estudo e valorização destes bens artísticos, que fazem
parte da história local e têm um potencial enorme nas vertentes museológica e
turística”.
Da parte da Paróquia de Tavira, o seu Pároco, Miguel Neto,
acredita que este é somente mais um passo no trabalho que há pela frente. “Gostava,
um dia, de poder apontar Tavira como um exemplo no que toca à conservação do
património e, para isso, conto com a colaboração de todos, pois este é um
trabalho que vale a pena, sobretudo porque não pensamos somente em nós, mas nas
gerações futuras, que merecem ter uma cidade especial, onde a Fé é uma marca
identitária, com um património religioso devidamente cuidado. Como diz o slogan
da ARTgilão, «A Arte de uma Cidade de Fé». Por isso, tenho de agradecer o
trabalho e a generosa colaboração do Marco Lopes e do Daniel Santana, que desde
a primeira hora se empenharam na concretização desta iniciativa, bem como da
Marta Pereira e da Maria Inês, nossas técnicas de restauro e da Sandra Louro,
que se encarregou da museografia e das colaboradoras da ARTgilão e do David
Gonçalves, o grande responsável pela montagem e concretização prática de todo
este projeto”. E não esquece os seus paroquianos: “Agradeço a todos os que colaboraram
mais diretamente e todos os que são sempre solidários ou que desafiam a minha
perseverança e capacidade de trabalho. Sem eles, nada seria feito, nem nada
faria sentido, pois volto a afirmar: o que mais importa é cimentar o sentido de
comunidade através do respeito e da fruição do património por todos”. Os
curadores consideram este “um projeto desafiante e enriquecedor”, salientando o
trabalho de equipa realizado e deixando uma palavra final ao Padre Miguel Neto,
“que tem assumido o património artístico da sua paróquia como uma medida
prioritária, em que este projeto museológico será uma das suas meritórias
realizações”.