Partindo de um desafio do Primeiro-Ministro António Costa para conceber uma obra em vídeo para as tradicionais comemorações do 46.º aniversário do 25 de abril, que este ano se realizaram em formato online devido à pandemia da covid-19, a companhia de teatro documental Hotel Europa produziu «Agora Que Não Podemos Estar Juntos», com curadoria artística de Elisabete Matos (Teatro Nacional de São Carlos), Nuno Cardoso (Teatro Nacional São João), Sofia Campos (Companhia Nacional de Bailado) e Tiago Rodrigues (Teatro Nacional D. Maria II). Os objetivos propostos foram alcançados e percebeu-se que o projeto poderia ir mais além após o desconfinamento, daí que André Amálio, responsável pelo texto, dramaturgia, investigação e recolha de testemunhos, e Tereza Havlíčková, que teve a seu cargo o movimento, decidiram avançar com a sua adaptação para os palcos do teatro, com a primeira ida a cena a acontecer, no Festival Internacional de Teatro de Setúbal, a 26 de agosto.

Foi o ensaio dessa peça que o Algarve Informativo teve oportunidade de assistir durante a residência artística que a companhia fez no CAPa – Centro de Artes Performativas do Algarve, em Faro, “um espetáculo que celebra o 25 de Abril através das histórias reais de pessoas que lutaram e resistiram contra a ditadura, com o foco a incidir sobre o amor e as relações amorosas que nasceram no seio da luta antifascista, analisando como é que estas relações foram capazes de sobreviver à perseguição do Estado Novo, ao mesmo tempo que estavam na base da sustentabilidade dessa mesma luta política”, explica André Amálio. Um espetáculo de teatro, música e dança protagonizado por André Amálio, Cheila Lima, Ricardo Machado, Tereza Havlíčková, Pedro Salvador e Joana Guerra, estes dois últimos que tiveram também nas suas mãos a criação e interpretação musical. E, a par da interpretação dos testemunhos recolhidos, os intérpretes falam também da estranha experiência que foi produzir o documentário em vídeo, numa altura em que Portugal estava em Estado de Emergência, em que praticamente não se podia sair de casa. Das peripécias de filmar em espaços públicos e dos cuidados a ter na interação da equipa até às preocupações de com quem deixar os filhos menores durante as filmagens.  

«Agora Que Não Podemos Estar Juntos» recorda, então, os últimos tempos do Estado Novo, o início da Guerra Colonial, a vida de quem combatia o regime opressor na clandestinidade, de quem tinha que «dar o salto» para fugir à PIDE, mas também daqueles que foram mesmo presos e torturados pela polícia política, até se chegar, finalmente, ao 25 de Abril de 1974. Sempre com o amor como pano de fundo, as vivências dos casais que lutavam na sombra, muitos deles afastados das suas famílias, dos filhos, para não os colocar em perigo. “É também a primeira parte de um espetáculo futuro onde não serão os atores a incorporar os testemunhos recolhidos, mas sim os próprios entrevistados a contarem as suas histórias”, adianta André Amálio. Ficamos então à espera, porque aquilo que se assistiu foi, de facto, impactante e comovente e porque urge falar mais do 25 de Abril, da ditadura do Estado Novo, sem vergonha, para que as novas gerações, aquelas que já nasceram em total liberdade, saibam que nem sempre foi assim a vida em Portugal.

Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina