O «Tráfico de Artes no Guadiana - Festival do Contrabando» regressou a Alcoutim, entre 10 e 15 de novembro, com a quarta edição a acontecer em formato online, mas continuando a apostar no fomento e na divulgação artística. No decorrer dos cinco dias foi transmitido o documentário «220 metros de Guadiana» de Paulo Vinhas Moreira, que tem conquistado vários prémios, assim como o filme «E o Rio Corre» do programa «Mar Limiar», do arquivo da RTP de 1976. Destaque igualmente para a instalação da peça «Lontra» do artista plástico Bordalo II, inserida no projeto «Big Trash Animals», bem como o «Túnel do Contrabando», no Castelo de Alcoutim, executado pela cooperativa de arquitetura Voltes, de Espanha.


Sob o tema da observação de estrelas foi apresentado «Sob os Trilhos da Estrela do Norte», com relatos com base no capítulo «A Estrela do Norte» das «Histórias do Contrabando» de Paulo Vinhas Moreira, em parceria com a Tour Estela. O programa incluiu ainda a transmissão da instalação habitada/performance «Alcoutim Fronteira Fire Words», do Artelier by Nuno Paulino, companhia artística de âmbito nacional que já apresentou um espetáculo no festival Burning Man, nos Estados Unidos, em 2019. O teatro físico marcou também presença com dois espetáculos pelo Teatro Só, «Sorriso» e «Somente». 



Este ano sem ponte flutuante no Rio Guadiana a ligar Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana, nem mercado nas ruas das duas vilas, não houve o habitual frenesim musical e teatral, mas não faltaram as «Paródias do Contrabando», com a Água Ardente Produções Teatrais a realizar várias transmissões de pequenos sketches do festival. Em suma, a edição de 2020 expôs o ADN do Contrabando em novos moldes, deixando uma marca visível no território, apresentando a identidade de uma região no presente, mas com os olhos postos no futuro. Por isso, Osvaldo Gonçalves agradeceu aos técnicos da autarquia que tornaram possível “reinventar toda a dinâmica do festival e levá-lo às casas das pessoas”. “Neste momento particularmente difícil e exigente das nossas vidas, é fundamental, até mesmo imprescindível, que não abdiquemos, em nenhum momento, da nossa natureza resiliente, de modo a que não tenhamos a tentação de ceder ao medo e ao cansaço e, assim, deixar-nos vencer por esta pandemia. Agir com a certeza, a calma e a prudência que a situação impõe é essencial para que tenhamos a capacidade de sair vencedores desta crise sanitária, que já criou uma crise económica e que ameaça também com uma crise social”, avisou o presidente da Câmara Municipal de Alcoutim. 

João Fernandes, presidente do Turismo do Algarve, Osvaldo Gonçalves, presidente da Câmara Municipal de Alcoutim, e Ana Abrunhosa, Ministra da Coesão Territorial


Numa cerimónia singela realizada no Cais da Vila de Alcoutim, onde ficará a escultura «Lontra» de Bordalo II, Osvaldo Gonçalves apelou à adoção de uma postura defensiva, orientada pelas normas estipuladas pela Direção-Geral de Saúde, mas pediu também um esforço para se tentar levar a vida com a normalidade possível. “Reinventemo-nos como no passado, adaptemo-nos às circunstâncias, à semelhança do que fizeram os nossos antepassados contrabandistas, que usaram da arte e engenho para superar as dificuldades que diariamente tinham de enfrentar para vencer este rio e a vigilância apertada nas margens, sabendo que dessa capacidade dependia terem pão nas suas mesas”, recordou o edil alcoutenejo. “Sabiam esperar longas horas, às vezes dias, escondidos no fundo de um barranco, aguardando que o perigo passasse e que pudessem prosseguir com a maior segurança. Hoje, estamos juntos a este rio para apresentar a arte como veículo transformador e evocativo das memórias ligadas ao contrabando. Na lontra destacam-se as suas capacidades de camuflagem, rapidez e astúcia, que lembram também os requisitos e as qualidades que os contrabandistas deviam ter para sobreviver num meio frequentemente hostil”.

Aproveitando a presença na cerimónia de Ana Abrunhosa, Ministra da Coesão Territorial, Osvaldo Gonçalves abordou as assimetrias deste concelho do sotavento algarvio e o despovoamento que se tem assistido nas últimas décadas e que constitui uma ameaça à própria sobrevivência do território. “Contudo, a pandemia veio evidenciar as fragilidades existentes nas áreas metropolitanas e no perigo da litoralização, ao mesmo tempo que se percebem muitos dos benefícios do interior. Olhemos, finalmente, para estes territórios com uma visão estratégica que permita um desenvolvimento efetivamente sustentável”, pediu o presidente da Câmara Municipal de Alcoutim. “Territórios que anseiam por políticas descentralizadoras e por investimentos estruturais que criem condições para um futuro mais promissor, permitindo o alívio da pressão do litoral e criando as condições necessárias para a fixação das famílias e para um desenvolvimento mais coeso do país”, reforçou.

O autarca falou ainda de iniciativas de importância crucial para o progresso de Alcoutim, logo a começar pela ponte que ligará a sede de concelho à vizinha Sanlúcar de Guadiana, anunciada pelo Primeiro-Ministro António Costa e aprovada na Cimeira Ibérica que teve lugar, a 10 de outubro, na cidade da Guarda. “É uma ligação fundamental para que estas duas margens possam aumentar a simbiose do crescimento que tanto ambicionamos. Assim como a continuidade do IC27 e as obras da EN124 seriam importantíssimas para romper a interioridade do Algarve, contribuindo, assim, para a minimização do problema da saturação do litoral e com um impacto positivo nos concelhos de Faro, São Brás de Alportel, Loulé, Tavira, Mértola, Almodôvar e Alcoutim. A construção de uma Unidade de Cuidados Continuados é outra das nossas ambições, um projeto que, para além de complementar a Rede de Cuidados Continuados, aliviará a pressão dos hospitais e criará dinâmicas económicas e sociais no concelho”, enumerou Osvaldo Gonçalves. 



CCDR está a desenhar plano de ajuda ao Algarve

Após o descerrar da placa alusiva à inauguração da escultura de Bordalo II, Ana Abrunhosa destacou o papel que a cultura e a história têm no desenvolvimento dos territórios, sejam eles do litoral ou do interior, e no desenho de um futuro mais sustentável. “A cultura é mais do preservar o passado, é a base de tudo, cruzando-se com o turismo, a agricultura, a pesca e a indústria. Com a entrada de Portugal na CEE, desapareceram as fronteiras e deixou de fazer sentido o contrabando nos seus moldes antigos. Fazermos parte da União Europeia traz-nos grandes desafios, mas também oportunidades, e hoje temos instrumentos para enfrentar os tempos difíceis que vivemos, uma guerra que tem um inimigo invisível e, por isso, muito mais complicado de combater. Uma guerra que nos está a cansar porque nos coloca restrições todos os dias, mas temos que continuar a ser fortes e resilientes, como o soubemos ser em todos os momentos da nossa história”, afirmou a Ministra da Coesão Territorial. “Há que saber resistir e continuar a fazer, nem que seja de maneira diferente, como acontece este ano com o Festival do Contrabando. Muitas pessoas estão a sofrer, não se trata de meros números, mas de famílias que estão em luto e a perder o seu emprego e modo de vida. Por isso, não podemos baixar os braços e temos que canalizar a nossa revolta para ajudar quem precisa”



Ana Abrunhosa relembrou igualmente que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve está a trabalhar num plano de contingência para ser aplicado no curto prazo e que se somará a todas as iniciativas governamentais de apoio à atividade económica. “O turismo é importantíssimo para Portugal e está a sofrer bastante, o que nos obriga a fazer as coisas de maneira diferente, com mais criatividade, inovação e sustentabilidade. É essencial diversificar a base económica do Algarve e também aqui a Europa vai ser fundamental. Já existiam fundos comunitários que visam promover o desenvolvimento das regiões, mas, por causa da pandemia, esse pacote financeiro foi reforçado em mais 300 milhões de euros, para apoiar o turismo e atividades económicas que lhe sejam complementares, mas também outras que sejam alavancadas no conhecimento e tecnologia”, sublinhou a Ministra da Coesão Territorial. 



A governante frisou ainda que os investimentos a realizar nos tempos atuais devem ter sempre em consideração as questões ambientais, e disso mesmo é exemplo a futura ponte internacional que vai ligar Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana. “Está inscrita na estratégia de desenvolvimento transfronteiriço, foi avalizada pelos dois governos, tem recursos financeiros atribuídos e, agora, é mãos ao trabalho. Temos que começar a fazer os projetos, sempre com a noção de que é necessário preservar os ecossistemas e o nosso Rio Guadiana”, referiu Ana Abrunhosa, considerando também essencial assegurar-se a navegabilidade do Guadiana desde a sua foz até Mértola. “Estão concluídas duas fases, falta a terceira, do Pomarão a Mértola, que começa com um estudo prévio realizado com o Ministério do Mar. Hoje, o nosso problema, felizmente, não é falta de recursos, mas sim alocá-los nos projetos estratégicos e estruturantes que nos permitam que, daqui a 10 anos, sejamos uma região e um país mais desenvolvidos, onde as pessoas tenham melhor qualidade de vida, onde tenhamos orgulho de viver e trabalhar, e que deixemos aos nossos filhos”, concluiu Ana Abrunhosa, antes de rumar ao Castelo de Alcoutim para inaugurar o «Túnel do Contrabando».

Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina