Para todos os que arriscaram ler para lá do título deste artigo, faço duas declarações: primeiro, como é óbvio, existem perdas reais de água nas redes de abastecimento. Segundo, não são 30% como tem sido publicitado nos órgãos de comunicação social e depois tão partilhado nas diversas redes sociais.

É importante, para sermos sérios na análise deste tema tão sensível e atualmente na agenda mediática, termos a noção de dois conceitos fundamentais e que estão na base desta confusão e respetivas conclusões erradas. O conceito de Água Não Faturada (ANF) e o conceito de Perdas Reais nas redes de abastecimento de água, conforme se encontra definido pela ERSAR – Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos que determina que o indicador Água Não Faturada tem como objetivo determinar o nível de perdas económicas e físicas correspondentes à água que, apesar de ser captada, tratada, transportada, armazenada e distribuída, não chega a ser faturada aos utilizadores, o que não quer, necessariamente, significar que seja água desperdiçada. O indicador Perdas Reais na rede destina-se a avaliar a eficiência na utilização de recursos ambientais, pela determinação do nível de perdas reais em função do comprimento da rede, para sistemas dispersos (n.º de ramais /Km £ 20) ou em função do n.º de ramais e é uma variável que integra o indicador Água Não Faturada. Logo, o valor das Perdas Reais será sempre inferior ao valor da Água Não Faturada.

Os 30% que são divulgados como Perdas Reais na rede referem-se à Água Não Faturada. E porquê que isto é importante?

É importante porque a abordagem na resolução desses dois problemas é diferente. No caso da Água Não Faturada passa por identificar, não só as Perdas Reais na rede, mas também pontos de autoconsumo dos Municípios que não são medidos nem controlados e clientes que não pagam o consumo de água montando contadores para os faturar. De referir que, em 2016, a Água Não Faturada a nível nacional era de 29,8%, sendo em 2020 de 28,7%, confirmando que muito pouco tem sido feito nesta matéria e que das 233 entidades gestoras existentes, apenas 14% apresentam uma qualidade do serviço boa (abaixo de 20%), havendo um Município com 70% de Água Não Faturada. No Algarve, o pior resultado é de 57,7%. Já o combate às Perdas Reais na rede deve ser feito através de um investimento regular na manutenção e reabilitação das condutas, que começa por um levantamento topográfico que permita um melhor conhecimento da rede. Enquanto o índice de conhecimento da rede teve uma evolução positiva discreta, o indicador de reabilitação de condutas manteve-se estável em 0,6 entre 2016 e 2020, um valor considerado insatisfatório e estando 40% abaixo do mínimo necessário. Cerca de 55 Municípios assumem não realizar qualquer investimento na rede de águas.

Segundo o RASARP2020 (Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal), o indicador de Água Não Faturada é de 28,7% e as Perdas Reais na rede rondam os 21%. Estes dados e esta transparência referem-se aos consumos no Setor Urbano que tem um peso relativo de 19,6% do consumo de água em Portugal. Sei que muito ainda está por fazer, mas seria interessante ter este escrutínio e dados sobre o Setor Agrícola que representa 75% e que não possuímos este nível de informação. Pensem nisto.

Carlos Manso é Economista e Membro da Direção Nacional da Ordem dos Economistas

Nota: Este artigo apenas reflete a opinião pessoal e técnica do Autor e não a opinião ou posição das entidades com quem colabora ou trabalha.