Quando arte e ambiente se encontram virtualmente aos olhos de quem caminha pela natureza, isso é «Daqui, Sente o que Vês», o mais recente projeto criativo da associação cultural Figo Lampo, que será apresentado, no dia 19 de março, pelas 17h, no Auditório da Fundação Manuel Viegas Guerreiro, localizada na mesma freguesia de sede da associação, isto é, Querença, no concelho de Loulé.


A Igreja Matriz de Alte, a Anta do Beringel, no Ameixial e o Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro, em Querença, são os três espaços pioneiros nos quais o caminhante é envolvido pelo património natural e/ou edificado e, de forma inovadora, convidado a fazer um outro caminho, através de um código QR disponível num totem in situ. Acedendo a vídeos de cerca de dez minutos, poderá vivenciar – fora de portas – uma criação artística de cariz site specific, ou seja, concebida unicamente para aquele local. A esta nova abordagem à «cultura no ambiente», a Figo Lampo alia a divulgação da arte produzida por artistas portugueses e estrangeiros residentes no Algarve. “Em termos artísticos, pretendeu-se ter uma abordagem pluridisciplinar na generalidade do projeto, onde várias estéticas são apresentadas consoante os criadores convidados. Mas todas elas no grande baluarte que é a arte contemporânea, onde a liberdade de cada criador é o pináculo da criação. Parece-nos que a divulgação do trabalho destes criadores é também essencial para o reforço da identidade multicultural da região”, explica Maria Adelaide Fonseca, diretora artística do projeto.

Numa primeira fase, «Daqui, Sente o que Vês» desafia-nos a testemunhar arte efémera em três freguesias do interior do concelho de Loulé – Alte, Ameixial e Querença – mas a associação ambiciona cobrir mais freguesias e mais concelhos, outros lugares patrimoniais da serra e barrocal algarvios. “Só assim o percurso terá maior expressão e poderemos contribuir ainda mais para a disseminação da arte e da cultura em territórios de baixa densidade”, justifica garante Maria Adelaide Fonseca.



De destacar a participação da cantora mezzo-soprano francesa Sylvie Burnet-Grupposo no filme de Alte, junto da Igreja Matriz, do século XIII e nas imediações. O vídeo cruza canto lírico e canto popular graças à colaboração de Maria Amélia Cabrita. “Foi um privilégio captar sonoramente duas cantoras, uma delas numa manhã e outra só numa tarde. O não se poderem encontrar levou-me a uma pequena ilusão cinematográfica. Uma cantora lírica, visitante, vai vendo e sentindo as belezas da aldeia algarvia de Alte – as naturais e as religiosas. À distância observa outra mulher que também canta...”, descreve Eduardo Pinto, o realizador de «Canto Mulher».

O projeto Anta do Beringel, monumento megalítico pré-histórico com cerca de sete mil anos localizado na freguesia do Ameixial, foi o primeiro a arrancar, em setembro do ano passado, com a visita dos criadores e ensaios da coreografia criada por Filipa Rodrigues para a bailarina Sara Calaça. Coube ao realizador Henrique Prudêncio captar movimentos de dança contemporânea e compassos de música clássica num local sagrado. Assim, em «Guardiã de Memórias»,​ vislumbrou uma deusa, uma feiticeira, uma mulher imortal que a todos protege. “Dia após dia, desde que se lembra, a mulher sente no seu corpo as vivências de todos os antepassados que protege. Contudo, séculos vividos a ser outras que não ela, a mente começa a navegar para dentro de si e para o que ela é. A guardiã sem nome com vontade de ser alguém até que, um dia, decide finalmente experimentar a liberdade”, indica o realizador.



No caso do filme de Querença, os sons ambiente colhidos por Miguel Neto no Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro foram o ponto de partida. As crianças da EB1/JI de Querença deram corpo à curta-metragem performativa filmada num jardim de flora mediterrânica localizado no barrocal algarvio. O projeto alia a dança contemporânea à vídeo-arte e ao sound design. “Trabalha os conceitos de conexão e desconexão com o todo, com a natureza, com o nosso lado mais divino e como seres humanos. Isso em constante diálogo com o trabalho da coreógrafa Inês Mestrinho que ensaiou os nossos pequenos bailarinos, criando momentos e sequências que contam uma história entre o ligar e o desligar entre nós e a natureza”, sublinha Ana Medeira, a realizadora convidada para o filme «Cosmos Micro».

No conjunto dos três vídeos estiveram envolvidas mais de 40 pessoas. Deste total fazem parte as comunidades de Alte e de Querença que assumiram lugar participante, apanágio da associação Figo Lampo que, além das comunidades locais, tem como pilares de atuação, a cultura, o ambiente e a educação. Música, teatro, dança, canto lírico ou popular são as áreas artísticas presentes nestes filmes que incutem valor humano e cultural na visita ao território. «Daqui, Sente o que Vês» possibilita assim novas apropriações e vínculos a estes espaços através do domínio sensorial. “Com essa ligação emocional ao lugar, o projeto vislumbra potenciar os níveis de conexão com a natureza e o património, despertando para outras vivências culturais e para manifestações de salvaguarda do ambiente e dos espaços por parte do visitante”, salienta Maria Adelaide Fonseca.

Para um menor impacto visual e ambiental dos totens onde estão cravados os códigos QR, o projeto especializado em ecodesign PidutournéeDesign, utilizou materiais naturais e em sintonia com o meio envolvente. Pensado desde 2019 e com concretização criativa em 2021-22, o projeto está integrado num outro mais amplo, o #TERRA VERMELHA, apoiado pelo programa Garantir Cultura, da República Portuguesa. A iniciativa soma ainda o apoio da Câmara Municipal de Loulé e teve também a colaboração das Freguesias de Alte e Ameixial, da União de Freguesias de Querença, Tôr e Benafim, da Fundação Manuel Viegas Guerreiro e do agrupamento de escolas Padre João Coelho Cabanita | EB/JI de Querença.