Falar de cooperativas em Portugal era, até há pouco tempo, falar de algo estranho, ultrapassado, desacreditado, até associado a uma forte imagem do comunismo, sem relevância e interesse para a grande maioria das pessoas. Os próprios serviços administrativos do Estado ainda hoje têm uma certa dificuldade em lidar com estas organizações, sem saber por vezes como enquadrá-las juridicamente, a que benefícios fiscais e financeiros podem aceder, chegando mesmo ao ridículo de não saber quais os procedimentos necessários para a sua constituição. Disso tenho eu próprio provas.

Porém, os tempos são outros e nota-se uma mudança. Uma mudança que quer deixar marca visível no território, assente nos princípios fundadores do cooperativismo, onde se incluem os aspectos relacionados com o bem social, ambiental ou económico. Temos hoje casos de sucesso em Portugal que estão a mudar paradigmas de desenvolvimento e a cativar jovens para uma alternativa mais sustentável e justa. Ainda estamos muito longe das dinâmicas existentes em outros países, como França ou Espanha, onde as cooperativas abundam em todos sectores da sociedade. Em Espanha, por exemplo, existem largos milhares destas organizações por todo o país, inclusive na área dos serviços financeiros éticos, como é exemplo a COOP57, que apoia centenas de projectos por toda Espanha, com resultados impressionantes e sem os dramas normalmente associados aos empréstimos bancários convencionais. Em Portugal tal ainda não existe, embora há anos se procure criar uma instituição de banca ética por cá.

Recentemente tive oportunidade de conhecer algumas cooperativas que estão a imprimir uma dinâmica no interior do território muito encorajadora e com resultados que impressionam. Cativam pelo facto de serem essencialmente constituídas por jovens, na sua maioria oriundos de outras regiões e mesmo de outros países, licenciados, bem informados e com vontade de fazer acontecer. Partilham um espírito de independência e autonomia perante as forças políticas e administrativas locais, mas um forte sentido de conexão com as comunidades. Querem mudar paradigmas locais de desenvolvimento, com focada aposta na sustentabilidade e ligação à terra.

A Cooperativa Regenerativa Integral de S. Luis, Odemira, é um desses exemplos. Em associação com o Espaço Nativa (https://www.facebook.com/espaconativa2020/), têm uma mercearia, um café-restaurante, bar e ainda espaços de escritório para nómadas digitais. Têm produção agrícola própria e prestam vários tipos de serviços de consultoria e formação. Tudo em pleno funcionamento, com programação cultural semanal e uma forte ligação às pessoas da aldeia que estiveram desde o início no processo de instalação. São mais de 70 associados e querem provar que o interior não está condenado ao abandono e ao esquecimento, e que aí existem oportunidades de desenvolvimento com enfoque na ecologia e nas pessoas.

Esta cooperativa teve apoio de uma outra bem mais conhecida, a Cooperativa Minga, de Montemor-o-novo, com vasta experiência na produção agrícola, comercialização de produtos e serviços e até na habitação.

No Rogil, Aljezur, outra cooperativa está a juntar jovens de diferentes áreas de formação e intervenção, e a gerar dinâmicas transformativas locais: a Cooperativa da Terra (https://cooperativadaterra.pt). Esta conta com uma rede de produção agrícola (e não só) e mecanismo de distribuição que abrange todo o barlavento Algarvio. Possui, também, uma moeda própria: a «Moeda da Terra». Tal como em outros casos existentes por essa Europa fora, este instrumento foi criado para incentivar dinâmicas comerciais internas e gerar receitas que permitem reinvestir nos próprios projectos da organização. Tem uma aplicação telemóvel própria e está coberta por um mecanismo de proteção que garante 100% de segurança.

Estes exemplos são inspiradores e são prova dada de que «mais faz quem quer, do que quem pode». O desenvolvimento do interior e das zonas rurais está, infelizmente, na grande maioria dos casos, refém de organizações «gastas» e ineficientes, que insistem em abordagens do passado, sem quaisquer efeitos práticos no terreno e nas suas comunidades. Valha-nos, por isso, estes novos agentes transformadores e valorizadores do território, associados em cooperativas, que além de provar que é possível gerar economia sustentável nesses locais, as cooperativas não são um qualquer resquício do velho passado, mas podem ser um instrumento de mudança. É nisso que estou confiante.

João Ministro é engenheiro do ambiente e empresário