É do conhecimento colectivo que a região algarvia é das mais vulneráveis à ocorrência de grandes sismos. Em parte, essa consciência resulta da memória da destruição provocada pelo grande sismo de 1755, a última grande catástrofe sísmica que afectou a região, mas não a primeira, ou a única.

A historiografia regista a ocorrência de vários grandes sismos, quase todos acompanhados por grandes maremotos, dado que a principal falha sísmica se encontra no mar. Recordamos alguns:

Em 63 a.C. um terramoto gigantesco varreu as costas de Portugal e da Galiza, arruinando muitos edifícios e lugares inteiros. O mar excedeu os seus limites e cobriu muitas terras, descobrindo também outras o retiro das suas águas. A população retirou-se a habitar nos campos e montanhas. Este registo poderá justificar o desaparecimento de muitas localidades referidas por antigos geógrafos, cuja localização é indeterminada, nomeadamente na região algarvia.

No ano 309, na madrugada de 22 de Fevereiro, um espantoso terramoto foi sentido em Portugal e por toda a Europa. Apesar de não serem conhecidos os estragos provocados, só o facto deste sismo ter sido sentido por toda a Europa permite idealizar um cenário da destruição ocorrida.

O Século IV foi negro para a região já que, em 382, um novo terramoto devastou o território, tendo padecido principalmente as terras marítimas, devido aos maremotos. O sismo foi tão forte que se subverteram ilhas. Deste período será a «villa» ou cidade submersa de Quarteira, que se encontra ao largo dessa cidade, mas também localidades e villas como a Boca do Rio, Balsa, Ossonoba, Cerro da Vila, Abicada e outras ruínas romanas.

Seguiu-se um milénio de acalmia, onde os sismos foram menos intensos ou simplesmente não foram registados. O próximo século negro é o XIV. Novamente num dia 22 de Fevereiro, mas agora do ano 1309, ocorreu um grande terramoto em Portugal, que foi sentido em toda a Germânia. A 24 de Agosto de 1356, repetiu-se a tragédia, com um abalo tão forte que os sinos das igrejas tocavam por si, tendo caído muitas casas. Em Lisboa há o registo de se abrir a Capela-mor da Sé. As réplicas sucederam-se por um ano, provocando igualmente estragos em Sevilha e em Córdoba. Este conjunto de sismos parece justificar a quase inexistência de edifícios anteriores ao século XV na região.

No século XVIII a terra voltou a tremer com intensidade. A 27 de Dezembro de 1722 um sismo provocou grande destruição em quase todas as localidades do Algarve. Caíram casas, fortificações e torres das igrejas, fragilizando muitos edifícios, que acabaram por ruir completamente a 1 de Novembro de 1755, não só por efeito do sismo, mas também do maremoto que se seguiu.

O último grande sismo, de Fevereiro de 1969, provocou igualmente muito estragos e há registo de que o mar se elevou cerca de meio metro, não causando prejuízos significativos devido à baixa amplitude marítima e por não ter coincidido com a maré-cheia.

Sempre que somos assombrados pela destruição provocada por grandes sismos, um pouco por todo o mundo, surgem gritos de alerta para a vulnerabilidade de Portugal e, especialmente, da região algarvia. Quase sempre surge uma medida nova, como a repetição de simulacros ou a instalação de alertas sonoros de tsunami. São medidas positivas, que poderão minimizar a perda de vidas humanas, mas não se traduzem numa mudança de mentalidade. Em pleno Século XXI continuam a ser aprovados grandes projectos nas frentes marítimas e ribeirinhas, não se invertem os processos de desertificação do interior e até edifícios públicos, como arquivos, museus, centros de exposição, centros culturais e hospitais são construídos na frente de embate de um maremoto, sem qualquer salvaguarda possível. É inevitável que muitos desses edifícios percam a sustentação, ruindo por completo e levando consigo vidas humanas e todo um acervo histórico e cultural único. É certo que, quando a tragédia acontecer, muitos perguntarão como foi possível a repetição de tantos erros, que poderiam ser invertidos por decisão política, mas que a confiança na sorte ou a fé num milagre, permite adiar sine die, até ao dia em que seja tarde demais.

Nuno Campos Inácio é editor e escritor

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