A cozinha é um espaço essencial da identidade de uma comunidade, assim como, o que se come, como se come, quando se come…esta semana convivi de perto com esta realidade, pois estive em visita de investigação em Jaén (Andaluzia, Espanha), cidade em que o azeite é rei e senhor, e possui toda uma economia e indústria dependente do olival e da azeitona.
Há um interesse crescente na cultura gastronómica e a cozinha assume uma força extraordinária na diferenciação e no reforço da atração dos destinos turísticos. Por sua vez, a cozinha e a arte da culinária também se relacionam com outras dimensões do património cultural imaterial, como as festividades, o artesanato e a natureza.
A relação da gastronomia com a agricultura, a pesca, a caça, a pastorícia, entre outras atividades demonstra que o potencial de inter-relação com a comunidade local é imenso. Por sua vez, as celebrações festivas, as festividades cíclicas e outras manifestações culturais enquadram também uma expressão de sociabilização muito apelativa, que possibilita aos visitantes assumirem as vivências locais, dando resposta às tendências de procura dos «novos» turistas.
Contar as histórias locais associadas ao nosso património culinário é também contribuir para a salvaguarda da nossa cultura e identidade. Em termos humanos, a comida mexe com todos os sentidos, traz memórias e representa identidades (veja-se a Dieta Mediterrânica e o património alimentar que lhe está associado).
Uma das grandes vantagens associadas ao desenvolvimento de propostas de afirmação dos locais como bons para comer, está no facto de se utilizarem recursos e produtos locais.
Mais ousado é o reconhecimento da relação determinante entre a comida e o urbanismo, e vice-versa, mas que faz sentido se pensarmos: na localização da restauração, dos produtores e dos consumidores, dos mercados; no desenho dos espaços de convivialidade; nas paisagens alimentares, nos transportes de acesso a estes lugares; nas hortas urbanas e nos jardins aromáticos.
Os investigadores têm feito um esforço na ciência da produção e inovação dos alimentos, mas esta é crescentemente uma questão das pessoas. Temos que convocar os diferentes públicos para o envolvimento na partilha, valorização e consumo do património alimentar do mediterrâneo.
A cidade de Jaén, onde estive em estância de investigação, apresentou na FITUR (Feira Internacional de Turismo) a sua candidatura a Cidade Criativa de Gastronomia da Unesco evidenciando a importância da sua cultura culinária e da tradição associada ao olival. Na reunião que tivemos no Município, o concejal de Cultura y Turismo, José Manuel Higueras, explicou-nos que trabalham neste processo há quase três anos e que tem mobilizado toda a província e os seus diferentes agentes. Na quinta-feira iniciaram um 3.º Festival Gastronómico de Cinema e Gastronomia que acontece em vários espaços da cidade e estabelece uma fusão entre duas artes mais inusitadas.
Temos que ousar e procurar estratégias de renovação e de afirmação dos nossos territórios que contribuam para cidades e regiões mais saudáveis, mais vibrantes e em que seja possível viver com mais qualidade. Mais do que espaços de visitação, queremos «construir» lugares de boas memórias, que promovem e preservam a nossa matriz cultural.
Notas finais:
*No próximo ano letivo a Universidade do Algarve inicia um novo Curso de Técnico Superiores Especializados em Gastronomia e Inovação Alimentar dando um contributo para a região e para a formação de profissionais qualificados nestes domínios (proposta do Instituto Superior de Engenharia em colaboração com a Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo).
** É um absurdo que a proposta de integração dos Serviços das Direções Regionais de Cultura deixe de fora os Monumentos Nacionais, o Património classificado pela UNESCO, e os pareceres sobre imóveis classificados, renovando o modelo antigo de centralização e a dependência da Direção Geral do Património Cultural. Afinal, que transferências se vão fazer e com que argumentos não se fazem outras? Seria de esclarecer abertamente os cidadãos.
Alexandra Rodrigues Gonçalves é Diretora da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve
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