“Alguém disse que conforme envelhecemos tornamo-nos a pessoa que sempre deveríamos ter sido, e eu sinto que isso está a acontecer comigo!”. Depois de ter lido a referida citação do músico David Bowie, conhecendo um pouco do que foi a sua vida pessoal, imediatamente apeteceu-me concordar com ela. Depois de ter contextualizado e adaptado o conteúdo da frase aos meus (quase) sessenta anos, percebi que a mesma poderá aplicar-se à vida de muitos, mas – felizmente – não é o meu caso, nem, provavelmente, o vosso. Será porque, juntos, envelhecemos desde que nascemos?

Reféns e condicionados por escolhas feitas em função de carreiras profissionais, enriquecimento pecuniário e exposição e promoção social, tenho entre conhecidos e amigos, alguns que já não têm qualquer problema em, publicamente, assumir que, não tendo passado ao lado de uma grande carreira, deixaram que a vida passasse por eles, sem que tivessem disso dado conta. São os tais que, tal como os «Bowie da vida», acordaram tarde para a importância de aceitar o que, gratuita e generosamente, a vida todos os dias lhes concedeu e proporcionou.

Tomando como analogia e referência o argumento do filme «Os amigos de Alex» (Lawrence Kasdan, 1983), registo que há cada vez mais gente a socorrer-se da morte súbita e inesperada de «malta do seu tempo» para – finalmente – perceber que o tiro de partida já foi dado há muitas décadas. Talvez por isso, sempre preservei o contacto presencial e vivencial com os amigos de sempre e para sempre, pois a sua presença física sempre me ajudou a encontrar a minha verdadeira essência e a perspetivar o futuro. A amizade tem isso de bom: nos afetos que trocamos temos a garantia de verdade e de sinceridade. Há lá melhor?

Estando sempre a tempo de mudar, há quem aguarde e veja na reforma/aposentação um sinal para reformar os seus hábitos e comportamentos. Gente que, talvez, demasiado tarde se venha a aperceber que uma verdadeira amizade demora uma vida a construir. Tal como uma árvore que se quer adubada, regada, podada e cuidada, a amizade precisa muito mais do que palavras, precisa da mão na mão, olhos nos olhos e de muito coração.

Não levando nenhum bem material connosco quando morrermos, podemos legar a quem por cá ficar, e mais tarde nos seguir, a certeza de que, apesar da ausência física, deixámos uma herança que o tempo jamais destruirá nem apagará: Amizade convertida em felizes e inesquecíveis memórias. A amizade é feita de laços inquebráveis, que se entrecruzam e que habitam em nós para além da vida terrena. Por isso (e muito mais), onde quer que estejam, convosco brindo: “Aos amigos”!

Paulo Cunha é professor

Crónica publicada em:

Foto: Daniel Santos