“Vem por aqui” – dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
José Régio


Ontem vinha pela estrada entre Quarteira e Faro e deparei-me com um poço e uma bela nora. Ao seu lado estava uma placa enorme, quase tão grande quanto o poço a dizer: rota dos poços. Fiquei a pensar – mas que raio de mundo é esse em que há rotas para tudo? Ninguém mais tropeça nalguma coisa, vai-se diretamente aos sítios, sem a chance sequer de se perder pelo caminho, de passar por desvios, de encontrar o inusitado. As rotas são interessantes, sem dúvida, dão o enquadramento histórico/patrimonial devido às coisas, mas roubam-nos a imaginação, a curiosidade, a vontade de irmos procurar saber, ou escolher não saber, o porquê daquele poço e daquela nora, naquele lugar específico. Podemos apenas admirar o poço, a paisagem… capitalizaram tudo e as nossas horas são também alvo da especulação financeira, a nossa imaginação foi territorializada e vendida aos lotes. Não há mais espaço para ver diferente. Seguimos rotas, GPS, caminhos pré-estabelecidos, determinados por outrem. Eu, teimosamente, e também porque sou ligeiramente disléxica, continuo a preferir perder-me. Uma vez estava a caminho de Óbidos, sozinha, e liguei o GPS. A meio do caminho, brigamos. Ele queria que eu fosse por ali e eu fui por acolá. Resultado – o bicho amuou e não falou mais comigo. Lá cheguei guiada pela amiga, mais centrada que eu, que pelo telefone perguntava – estás a ver uma placa assim e assim? E lá cheguei, direitinha, ao destino. Perco-me muito, mas também estou sempre a encontrar-me, o que é um prazer renovado. Mesmo que me custe algumas voltas. Já consegui perder-me na autoestrada, ter de voltar para trás, o que é sem dúvida, um dos meus maiores feitos. Talvez o maior de todos tenha sido fazer zero pontos num jogo do Super Mario Bros. Há pessoas que viajam e têm tudo pronto – lugares a visitar, o que não podem deixar de ver, restaurantes e afins, preparados um ano antes. Eu viajo com uma vaga ideia do que quero ver. Até agora não me tem corrido mal. Provavelmente perdi os highlights das rotas, mas conheci, por exemplo, numa viagem com o filho, uma igreja discreta em Edimburgo, com um vitral que, segundo o pároco que nos fez gentilmente uma visita guiada, era o mais antigo do país ; ou, sem esperar, a povoação onde nasceu Joselito. Quando andamos com o GPS não olhamos à volta, não apreciamos o caminho. Seguimos um caminho, uma indicação, um percurso. Eu sou mais devota de Drummond – vai ser gauche na vida. E assim permaneço.

Mirian Tavares é professora

Crónica publicada em:

Foto: Vasco Célio