Nos últimos meses muito se tem falado em descentralização e regionalização. Arvoram-se promessas de uma maior proximidade entre eleitores e eleitos e a concretização de uma linha programática da Constituição democrática, com a implementação das regiões administrativas. Claro que estes eram discursos iniciados por governantes num tempo em que não detinham o poder absoluto, porque, logo que o cenário governativo foi alterado, começaram a repetir a receita habitual da centralização, agora com um grano salis. O centralismo da gestão do património deixa de ser executado por ministérios, para ser exercido por duas empresas, uma com sede em Lisboa e outro no Porto, não vá alguém denunciar a violação das promessas de descentralização.
Seguindo a filosofia de que as empresas servem para gerar lucros, os dois monumentos nacionais localizados no Algarve que dão maior lucro (Sagres e Milreu), passam a ser geridos pela nova empresa, que amealha as receitas para usar na boa gestão dos monumentos que ficam sob a sua alçada. Que não são todos, são os que rendem… O Algarve possui 22 monumentos nacionais, a maioria a necessitar de grandes intervenções e pelo menos um completamente abandonado (o monumento nacional da Quinta da Abicada, no concelho de Portimão). Poderia ser criada uma empresa regional para a repartição das receitas dos vários monumentos para a manutenção ou recuperação do património algarvio, mas não, o Algarve está destinado a ser contribuinte líquido para tudo, até para a receita que servirá mais para a manutenção dos monumentos espalhados pelo resto do país, do que para os da região, que ficam fora da alçada da empresa e entregues às suas necessidades.
O centralismo não perde uma oportunidade para demonstrar o seu poder central e oligarca face ao resto do país, revelando o quanto os apelidados desígnios nacionais não passam de bagatelas retóricas para a estupidificação dos centres, daqueles que esperam a concretização de uma verdadeira autonomia, que permita o desenvolvimento de cada uma das regiões, a valorização da identidade histórica, cultural e patrimonial de cada uma delas, uma maior proximidade entre eleitos e eleitores, com decisões mais razoáveis e conformes com a identidade e a realidade da paleta identitária que forma Portugal como nação, não de Portugal como um polvo macrocéfalo com ramificações que sugam mais do que alimentam.
Nuno Campos Inácio é editor e escritor
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