É sempre com surpresa que noto os formatos, dimensões e cores que adornam actualmente as unhas, sobretudo femininas, embora não exclusivamente. Há de todo o género, de gel, gelinho, gelão, em formato de garra de águia, de urso, de tigre das neves, enfim, sabe-se lá do quê mais. E eu completamente alheia a esse universo, limito-me a admirar a agilidade com que a jovem que vende protectores de ecrã para os telemóveis, passa as negras garras onduladas (formato de unha de urso no final da hibernação) para desfazer as bolhas de ar. E, claro, a minha admiração advém sobretudo da minha incapacidade de usar esse tipo de garra, devido sobretudo a uma vertente prática e de inépcia pessoal. Simplesmente não conseguiria sobreviver com elas no meu quotidiano, sob pena de estraçalhar as mais elementares tarefas domésticas, como os ursos fazem às presas. Na verdade, nunca fui além do tal gelinho em unhas curtas e com cores discretas, passíveis de durarem mais e que seja possível serem removidas por mim a qualquer momento. Sempre fui avessa a tudo o que é ou me parece demasiado definitivo – e isto reflectiu-se tanto na vida profissional como pessoal e no modo como tenho ido colecionando vidas, por espaços do globo e tempos repartidas. Neste caso, aflige-me ter algo no meu corpo que não possa remover em caso de necessidade, sem recorrer a terceiros. Alimento-me daquela ilusão de controlo das situações pelo menos das mais próximas que, aparentemente, dependem da nossa vontade. No entanto, naquele dia, com apresentações de livros, conferencias, viagens, decidi que o tal do gelinho talvez fosse uma boa escolha para me apresentar de forma mais arranjadinha. Entro numa esteticista em Évora, onde parece haver uma vaga que vem mesmo a calhar e digo o que quero, alertando, contudo, para a fragilidade das minhas unhas. De repente e antes de mais, vejo-as cilindradas por uma espécie de broca assassina. Questiono o procedimento, refilo, pois achava que aquela ação se fazia apenas para remover verniz de gel ou algo do género. Respondem que tem de ser para que as unhas fiquem porosas e absorvam o gelinho. Só que as minhas fragilizadas unhas não ficam porosas, mas sim transparentes. E ficam de tal modo que após, a tortura para que não se desintegrem completamente, a única solução é aplicar-lhes duas camadas de verniz endurecedor transparente, paralelamente a umas gotas de óleo, supostamente para as cutículas, mas que a jovem esteticista teima em colocar nas pontas – a tal perigosa confusão com as extremidades. Afogo a frustração no lago das certezas: garras só mesmo as do quotidiano, essas que nos levam pelos ares para os mais insólitos ninhos de tarefas constantes, a enlear os sonhos nos novelos do esquecimento.
Dora Gago é professora
Crónica publicada em: