Cresci num lugarejo daqueles de beira de estrada, onde as poucas casas que albergava estavam viradas para a estrada e podíamos levar horas entretidos com o trânsito. Não tinha moradores suficientes para se poder chamar de aldeia, era tão somente um daqueles lugarejos de passagem onde todos se conheciam, onde todos compravam pão na mesma padaria, peixe ao mesmo senhor Faustino, que buzinava sempre que chegava na sua motorizada carregada com os carapaus fresquinhos e carne ao mesmo talhante.

Curiosamente, neste lugarejo coexistiam duas mercearias! A mercearia da Isabelinha e a outra que nem nome tinha. Aos 6 anos percebi o que era concorrência, e agora, na meia idade, depois de já saber o que é ser empresária, percebo que a Isabelinha tinha verdadeira alma para o negócio. Em pouco mais de 30 metros quadrados, aquela mulher conseguia ter tudo o que alguém podia precisar nos maravilhosos anos 70. Não me refiro somente aos bens essenciais que todos esperamos encontrar numa mercearia, leguminosas a granel, massas e arroz, azeite, frutas e legumes do dia; pois a Isabelinha era uma verdadeira caixa de surpresas, tal Lidl (passo a publicidade) às quintas feiras e a casa cheia de clientes era a consequência disto. A outra mercearia tinha tão poucos clientes como prateleiras com produtos, e era frequentada quando alguém com pressa só precisava de ovos e não queria estar na fila da Isabelinha!

Recordo-me que era na Isabelinha que a minha avó Mariana «namorava» os atoalhados e lençóis para o meu enxoval, pedia para reservar e assim que juntava o dinheiro suficiente enchia o peito de alegria e voltava para casa de sorriso no rosto e caixa nos braços. Nas prateleiras da mercearia da Isabelinha, tirávamos o café em grão para o pequeno almoço, mas «encalhávamos» com pratos, velas, molduras, regadores, cuecas, lâmpadas e brinquedos de madeira. O foco que agora precisamos quando entramos numa grande superfície e só trazemos o que precisamos, já era necessário ao entrar nesta mercearia de lugarejo. Mas o que tornava esta mercearia um negócio de sucesso não era só o variado stock, era também a amabilidade e acolhimento que os seus fregueses recebiam. Não havia a correria de hoje, e todas as compras eram feitas com tempo e acompanhadas de perguntas e do cuidado que só recebemos de quem nos quer bem.

Depois de uma vida a trabalhar para «outros», aos 42 anos tornei-me empresária! Nunca tive o sonho de muitos, de ter um negócio, simplesmente aconteceu. Não tenho formação em gestão, nem tampouco em recursos humanos ou na área financeira. Pelo contrário, tinha os medos e crenças do «não seguro» de quem recebeu ordenado no final do mês durante mais de 20 anos. Apesar dos medos, com muita coragem e muito trabalho e dedicação, o negócio vingou. Tal como na mercearia da Isabelinha, este negócio lidava com pessoas, e eu quero acreditar que o seu sucesso se deveu, não só à qualidade dos serviços que eram prestados, mas principalmente à forma como todas as pessoas eram tratadas, desde os muitos colaboradores aos clientes.

Num Mundo onde muitos querem ser Empresários, acredito que ser Empresário não é mesmo para TODOS! Ter alma para o negócio, é muito mais que o dinheiro que está na caixa no final do dia. Para ter alma para o negócio, antes de mais é preciso ter ALMA. Um empresário é, antes de mais, um ser humano e todas as qualidades que fazem um ser humano é ser recordado pela forma como inspirou, orientou e ajudou os demais.

O mundo dos negócios de hoje é muito diferente da realidade da mercearia da Isabelinha, mas podem ter a certeza que esta mulher seria hoje uma empresária de sucesso, pois o mais importante, ALMA, ela tinha!

Lina Messias é especialista em Feng Shui

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