De uma certa fobia à leitura que cada vez vou notando mais, já falei em vários textos. E isto independentemente de se dizer que acaba por ser ler muito nas redes sociais e nos telemóveis ou até nas legendas dos filmes. Aliás, sobre a questão, uma das coisas que me chocou foi, há já uns bons anos, talvez mais de quinze, alguns alunos de uma turma de nono ano me terem confidenciado que nunca viam filmes nem séries que não fossem faladas em português. Perante a minha estranheza, explicaram: não eram capazes de ler as legendas.

Hoje, todos os sinais evidenciam que esta situação só piorou. Se antes eram as «letras em movimento» que causavam problemas, hoje são mesmo as estáticas. Sim, estão paradinhas no papel ou no ecrã, mas não as conseguem ler nem entender e os resultados dos últimos testes PISA espelham este facto, independentemente do significado que possam ter. A dificuldade de se responder a um questionário sem copiar de um texto frases do primeiro parágrafo para a primeira questão, do segundo para a segunda e assim sucessivamente é um dos sintomas mais gritantes. Tudo o que implica pensar, sintetizar, relacionar, interpretar, fica sem resposta aceitável. E isto é tão mais grave quando vivemos num tempo em que toda a informação está disponível, sendo de fácil acesso. Um tempo cativo das garras das notícias falsas, do sensacionalismo, da manipulação constante, de iminentes retrocessos no que toca a valores fundamentais da democracia, das liberdades individuais, já para não se falar do uso acrítico, preguiçoso, do Chat GPT. Neste contexto, o essencial é aprender a seleccionar, a entender, a separar o trigo do joio, a reflectir para distinguir entre a verdade e as meras especulações. Não é possível fazer isto quando nunca se leu um livro, ou muito poucos se leram.

Há uma formação de base, elementar, uma bagagem que cada individuo tem de adquirir sozinho, uma pequena mala de ferramentas, de onde poderá extrair as lentes com as quais vai interpretando o que lê. E essa é uma caminhada individual, embora deva ser motivada, impulsionada pelo ambiente familiar, pela escola, pelo grupo de amigos. Contudo, ninguém pode ler, pensar, nem interpretar por nós. É esse percurso que nos distingue das máquinas. E as instituições de ensino fazem isso? Muito dificilmente o farão, apesar do Plano Nacional de Leitura, do Plano Nacional das Artes e afins, com professores votados ao desprezo, desrespeitados, amarrados nas garras de uma feroz, inacreditável burocracia, de baixos salários, também eles impedidos de ler e de reflectir. Não basta a existência de planos que ficam bem nas estatísticas, nas notícias e noutros sítios. É preciso que existam condições para os executar em pleno.

E, no meio deste marasmo, além de alguns clubes de leitura, existentes em algumas escolas, do esforço de alguns professores e bibliotecas, importa saudar dois projectos realizados em Escolas Básicas e Secundárias, delineados como oásis num deserto: «A voz que damos aos livros», coordenado pela Professora Conceição Brandão, cujo objectivo é promover a leitura, tendo contado com a presença de diversos escritores, como foi o caso de Lídia Jorge, na Escola Secundária de Lousada; e «Nós temos Voz», desenvolvido pela Professora Margarida Figueiredo da Escola Básica e Secundária de Viatodos, em Barcelos, que visa dar voz aos alunos da escola, estabelecendo ligações com a comunidade, valorizando igualmente a leitura, o sentido estético e crítico.

E, por último, importa afirmar que a leitura é o precioso baú de onde podemos desenterrar as lentes para vermos o mundo. Sem ela, tudo será redutor, ilusório.

Dora Gago é professora

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