Filha, neta, bisneta, trineta e tetraneta de alentejanos, cresci com todas as tradições que fazem parte desta identidade cultural. Uma delas é o pão!

Nas histórias contadas pelos meus avós, percebi a importância que o pão assumiu na sobrevivência de gerações em que a escassez era «normal». Histórias de jornas de trabalho no campo «de sol a sol», intervaladas por duas refeições: o jantar (agora almoço) e a merenda.

As refeições eram levadas para o campo e o pão era o elemento obrigatório e atrevo-me a dizer, sagrado. Recordo-me de ouvir falar de açordas só com alhos e coentros, migas de azeite e alho, tibornas, e pão com conduto (queijo, chouriço e outros).

A escassez tornou este povo extraordinariamente criativo na hora de confecionar as suas refeições e, ainda hoje este produto faz parte da ementa de qualquer restaurante com comida alentejana, desde a tasca do Sr. Manel, ao espaço mais requintado e exclusivo.

Na minha infância e adolescência todas as refeições tinham pão. Tudo o que era feito numa panela, era acompanhado pelas «sopas» desse caldo. Todos os pequenos almoços e todos os lanches eram compostos por pão. Todos os domingos acordava com o cheiro das fatias douradas. No Verão todas as semanas havia um gaspacho, no Inverno todas as semanas havia uma açorda! Sempre conheci a minha avó e a minha mãe a pedirem perdão a Deus quando, muito raramente, era preciso jogar ao lixo um pouco de pão, tal era a importância que este produto tinha.

A história do pão remonta a mais de 10 mil anos atrás, quando os seres humanos fizeram a transição da vida nómada para a agricultura sedentária. A descoberta acidental da fermentação, essencial para a produção de pão, transformou simples grãos numa fonte de alimento mais duradoura, nutritiva e fácil de transportar. Essa revolução alimentar permitiu que as comunidades crescessem e se estabelecessem de maneira mais eficiente, criando as bases para as civilizações antigas.

Em diversas culturas, o pão assumiu significados simbólicos e rituais. Na tradição cristã, por exemplo, o pão é central na Eucaristia, representando o corpo de Cristo. No Antigo Egito, o pão era considerado tão vital que até mesmo os trabalhadores construtores das pirâmides recebiam cotas diárias como parte da sua remuneração. Esses exemplos ilustram como o pão transcende a sua função alimentar, desempenhando papéis fundamentais na espiritualidade e na organização social.

Além do seu impacto cultural e económico, o pão também influenciou a saúde e nutrição das populações ao longo da história. A falta de pão, por outro lado, historicamente esteve ligada a períodos de escassez, fome e descontentamento social.

Como boa «descendente» destas tradições, custa-me assistir a este crescente movimento que trata o pão como nosso «inimigo»!

Dietas sugeridas onde o pão é proibido, famílias inteiras que o aboliram das suas casas, mil e uma derivações do verdadeiro pão que enchem as prateleiras dos supermercados. O elemento sagrado tão importante na história da humanidade, está distorcido e afastado da sua mais bela essência.

O que devia ser feito com uma boa farinha, água, uma pitada de sal, a fermentação adequada e muito AMOR, agora tem tantos aditivos em forma de «E`s» e outros ingredientes que em nada honram a sua simplicidade e sacralidade.

Se vier à minha casa partilhar uma refeição, não espere encontrar pão de cenoura, de malte, de alfarroba, de sementes, de forma, de batata, de nozes¸ de abóbora, de leite, de chocolate ou de aveia.

Aqui comem-se torradas de pão com manteiga das vacas felizes, aqui come-se pão quente com queijo e enchidos alentejanos, aqui há pão que se molha no caldo do guisado, aqui come-se PÃO!

Lina Messias é especialista em Feng Shui

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