E mais que uma onda, mais que uma maré
Tentaram prendê-lo, impor-lhe uma fé
Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade
Vai quem já nada teme, vai o homem do leme
Tim / Ze Pedro / Kalu, Xutos e Pontapés

Sempre gostei de usar música nas minhas aulas, sempre a considerei um elemento motivacional, algo que pelo menos anima, quebra a monotonia, fazendo ao mesmo tempo pensar, estabelecer ligações, pontes, relacionar diversos elementos, tarefa que se tornou cada vez mais árdua, quase uma missão impossível, diria.

Uma das músicas que gostava de passar era «o homem do leme» dos Xutos e Pontapés para o comparar com outros homens do leme, como é o caso de Vasco da Gama no episódio de o Adamastor de «Os Lusíadas» e «homem do leme» de «o Mostrengo» na «Mensagem» de Pessoa, representantes do herói desvendador de mundos, vestidos da audácia permitida pela sua condição humana, lutando contra os obstáculos mais diversos, o medo, o desconhecido, no fundo, «sozinhos na noite». E a reação dos alunos, relativamente à música, era de surpresa e de agrado, mas afinal, a professora gostava dos Xutos? E eu a explicar-lhes que eram uma marca da minha geração, a relembrar, sem lhes dizer, o furor que tomava as Matinés da União Sambrasense, quando se ouvia «A minha alegre casinha», no tempo em que estava nos tops.

Posso dizer que este homem do leme passeou/se pelas minhas aulas até 2011, altura em que mudei de rumo, tendo ido depois lecionar para a Universidade de Macau. Curiosamente, aí, nunca o passei, pois os textos e programas eram outros, por isso, também outras as melodias, que iam desde «A banda» de Chico Buarque (a propósito de Literatura e resistência), «Os Búzios» de Ana Moura (introduzindo «A cartomante» de Machado de Assis), entre muitas outras canções e poemas musicados. A reação dos alunos era sempre curiosa, mas, de um modo geral, gostavam.

Então, passada mais de uma década, quis fazer a experiência do «homem do leme» numa turma de Ensino Profissional daquelas onde a maioria dos alunos apenas se interessam por jogos de computador, telemóveis, festas de finalistas e pouco mais. E surpresa das surpresas: sabiam a letra toda de cor! Foram minutos únicos, a mostrar que, quando ouvimos e cantamos a mesma canção, nem tudo está perdido. Mesmo que considerem que a mensagem dos Xutos é difícil de relacionar com a do Pessoa e do Camões, que não tenham entendido talvez muito bem o facto destes homens do leme serem portadores de algo que os transcende, de conterem em si a força do sonho indomável que tudo pode e comanda, mesmo contra todas as marés e ventos adversos.

Na verdade, quando ouvimos a mesma canção, há essa centelha de esperança, mesmo que a vontade de ir, de partir não se desenhe no horizonte, que o futuro seja um oceano a conquistar, e ainda desconheçam que, como diz a canção “a vida é sempre a perder”.

Dora Gago é professora

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