O tema que vos trago não é inédito, mas, se ninguém reforçar as incongruências do nosso sistema eleitoral, o mesmo nunca caminhará para uma efetiva democracia representativa, que reflita fielmente a escolha dos portugueses.

Realizadas as Eleições Legislativas, concluiu-se que um em cada nove votos expressos foram inconsequentes. Não serviram para eleger ninguém e seguiram diretamente para o caixote do lixo eleitoral. Nestas eleições, o número de votos inútil corresponde à soma das votações da IL e do BE, 673 mil votos.

Isto deve-se à subdivisão do círculo eleitoral nacional por 22 pequenos círculos, aplicando-se a cada um deles o Método de Hondt para a escolha de um determinado número de deputados, que não é uniforme. Lisboa elege tantos deputados quanto a soma dos distritos de Portalegre, Évora, Beja, Setúbal e Faro, ou seja, a metade sul do país. Esta contingência política explica muito do desinvestimento feito a sul do país, comparado com o investimento realizado nos círculos eleitorais com maior representação eleitoral. Que investimento fará qualquer governo num distrito como o de Portalegre, que elege dois deputados nacionais e é irrelevante para o jogo político? Pouco mais de um zero absoluto, contribuindo cada vez mais para o abandono da região e para o empobrecimento do país.

Este sistema, que favorece claramente os maiores partidos, tem sido defendido por melhor garantir a governabilidade do país, ainda que seja por demais evidente que esse argumento é uma falácia, pois, o que garante a governação do país são as políticas executadas e o progresso nacional e não as maiorias absolutas. Ainda assim, sempre diremos que o fundamento da democracia é espelhar fielmente a vontade dos eleitores e não a manutenção no poder de determinadas forças políticas.

Outra falácia é a da representatividade territorial, uma vez que os eleitos, de acordo com o regimento parlamentar, não representam as suas regiões, mas o todo nacional; não faltando ainda exemplos de imposição de nomes dos quadros partidários em círculos eleitorais com o único objetivo de garantirem a eleição.

Deste modo, temos o desvirtuar da vontade popular. Se houvesse um único círculo eleitoral, com os resultados eleitorais de 10 de março, o Parlamento teria a seguinte composição: PSD – 72 (elegeu mais 8); PS – 70 (elegeu mais 8); Chega – 45 (elegeu mais 5); IL – 12 (elegeu menos 4); BE – 10 (elegeu menos 5); CDU – 7 (elegeu menos 3); Livre 7 - (elegeu menos 3); PAN 4 - (elegeu menos) e ADN – 3 (não elegeu nenhum). Daqui retiramos que muitas vezes a apregoada decadência de algumas forças partidárias não correspondem à realidade eleitoral, mas sim às consequências de um sistema eleitoral obscuro.

Como poderá o sistema evitar o desprezo absoluto pelos votantes dos círculos eleitorais com menor representatividade? Existem diversas formas: Para o Parlamento Europeu existe um único círculo eleitoral, que espelha fielmente a realidade eleitoral; nos Açores, criaram um círculo de compensação para onde são canalizados os votos perdidos, onde são tidos em conta para a eleição de Deputados; também há quem defenda a criação de duas Câmaras Parlamentares com dois sistemas de eleição.

Certo é que a Democracia, se pretender ser respeitada enquanto sistema político, tem de começar a respeitar os eleitores e o peso eleitoral do universo dos votantes. Não adianta fazer campanhas de incentivo ao voto, para depois ignorar o sentido dos votos expressos.

Sendo repetitivo com este artigo, mais não faço do que apelar, uma vez mais, à consciência democrática dos governantes, sob pena da democracia vir a descambar num outro sistema político mais obscuro, com reflexos negativos na governação e desenvolvimento do país.

Nuno Campos Inácio é editor e escritor

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