Na página da Cultura de Portugal anuncia-se que a Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe (classificada como Monumento Nacional, desde 1924, de acordo como Sistema de Inventário para o Património Arquitetónico - SIPA) possui como horário de abertura ao público, de maio a setembro: 10h00 - 13h00/14h00 - 18h00; e de outubro a abril: 09h30 - 13h00/14h00 - 17h00. Acrescenta-se que encerra à segunda-feira e nos feriados de 1 de janeiro, 22 de janeiro, Domingo de Páscoa, 1 de maio e 25 de dezembro.


A classificação atribuída à Ermida reconhece a sua importância, que se crê ser da primeira metade do século XIV e se expressa de forma minuciosa na descrição integrada no inventário nacional. Como local de peregrinações e de culto da virgem negra “é provavelmente uma das mais antigas ermidas dedicadas ao culto da Virgem de Guadalupe e o seu programa iconográfico, patente nos capitéis e bocetes, prende-se hipoteticamente à devoção à Virgem de Guadalupe por parte de navegantes e marinheiros e à sua relação com o resgate de cativos dada a sua localização estratégica” (veja-se a descrição em http://www.monumentos.gov.pt/).

Esta singela Ermida tem uma importância para a história nacional, mas também para a das comunidades locais, inquestionável, não só pelo que representa em termos monumentais, mas pela relevância associada à narrativa dos lugares da primeira globalização.

Deixada esta nota introdutória, perceba-se onde queremos chegar.

Um território fragmentado, com uma história secular e universal

Em 2015 e 2016 este monumento – a Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe – integrou uma candidatura transnacional que à data subscrevemos pois éramos a entidade com as competências regionais da cultura – a agora extinta Direção Regional de Cultura do Algarve – e onde reconhecíamos que: A paisagem cultural das Terras do Infante (Vila do Bispo, Aljezur e Lagos) inclui, na sua dimensão histórica, uma das maiores concentrações de menires do Megalitismo na Europa e a memória da Igreja do Corvo, o mais importante local de peregrinação dos cristãos moçárabes entre os séculos VIII e XII. A história de Sagres está relacionada com outros bens culturais do extremo oeste do Algarve, num «cluster» particularmente relevante para a história europeia: a Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe (que remete para a dimensão religiosa dos Descobrimentos e para o resgate de cativos nesta fronteira da Cristandade).

Uma pesquisa pelas redes sociais facilmente dá acesso à nota de imprensa que as entidades responsáveis à data fizeram divulgar em que reconheciam como objetivos primeiros desta candidatura a vontade de cooperação internacional, de promoção de valores de tolerância, de aumento do conhecimento sobre o património e a diversidade cultural, de promoção da preservação do património histórico, assim como a procura por fomentar melhores relações entre os povos.

Já publicámos o excerto que agora se cita sobre Sagres: “É um berço de mitos, memórias e conhecimento, que tem conduzido a uma procura incessante por visitantes de todo o Mundo. (…). A sua história (…) remete-nos para uma primeira Era da hoje chamada «globalização». Ai acaba e começa a Europa. Afirma-se com frequência que Sagres deu ‘novos mundos ao Mundo’” (Gonçalves et al. 2016, p.147)[1].

A candidatura integrou os elementos patrimoniais, mas também a história conhecida associada aos lugares, reconhecendo o seu valor universal e necessidade de preservação. O Algarve alberga vários locais, símbolos, mitos e personagens deste Novo Mundo que se assumia de dimensão universal. Estes lugares associados ao período de abertura da expansão marítima das rotas comerciais, estão na génese de um novo modo de conceção do mundo e de relações entre os povos.

Nestes territórios de baixa densidade populacional, a história, o património, a paisagem e a natureza, de elevado valor excecional são elementos agregadores e de atração, para as comunidades residentes e visitantes, que agora conhecem mais um esquecimento e caminho de fragmentação.

Erro a corrigir

Com a compartimentação de competências e fragmentação por diferentes Unidades e Organismos, deu-se o inimaginável. A separação do lugar «Ermida da Nossa Senhora de Guadalupe» da história daquele território, e em particular da narrativa conjunta do período histórico da expansão marítima que se aponta como um erro, sem sentido.

Mas mais grave é o facto de, desde 1 de janeiro de 2024, este monumento está fechado! Encerrado ao público, um lugar de grande valor patrimonial, arquitetónico e artístico, que está associado ao cais Quatrocentista e às novas estradas líquidas do Atlântico e que é um testemunho tangível dos contactos atlânticos, iniciados com as viagens dos portugueses no início do século XV, compreendendo pontos de referência material e imaterial num espaço geográfico internacional.

Assim, este monumento inscrito na candidatura «Lugares de Globalização»[2] apresentada no final de 2015, e que integrou a lista, divulgada em 30 de maio de 2016 pela Comissão Nacional da UNESCO, de 22 bens que reúnem todas as condições necessárias para serem considerados Património Mundial, está com um cadeado na porta à espera que se defina como se fará a sua reabertura, com que equipa ou responsabilidade. Este é sem dúvida um erro a corrigir.

O conjunto monumental recebia visitantes nacionais e internacionais, possuía uma programação cultural regular e reúne um espaço expositivo muito interessante, tendo ao longo de vários anos sido objeto de investimento público e de medidas de salvaguarda e valorização.

Por favor reveja-se, e rapidamente resolva-se, a devolução deste bem comum, património classificado como Monumento Nacional, à fruição pública das suas comunidades.

Alexandra Rodrigues Gonçalves é Diretora da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve

Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #431 by Daniel Pina - Issuu

[1]Gonçalves, A., Parreira, R., Magalhães, N. e Rafael, L. (2016) Sagres Fortress in the Algarve: Between the Myth, the Cultural Tourism Destination and the European Heritage Label. in Henriques, C., Moreira, M. C., César, P. A. B. (Eds.) Tourism and History World Heritage – Case Studies of Ibero-American Space, Interdisciplinary Centre of Social Sciences – University of Minho (CICS. NOVA.UMinho).

[2] A Região de Turismo do Algarve (RTA) e a Direção Regional da Cultural do Algarve (DRCAlg) foram as entidades responsáveis pela candidatura que incluiu os concelhos de Vila do Bispo, Lagos, Aljezur, Monchique e Silves, o Arquipélago da Madeira e o Arquipélago dos Açores, entre outros territórios relacionados com o período histórico associado.