A escassos dias da passagem de meio século sobre a revolução de Abril, que abriu portas ao conceito genérico e abstrato de «Liberdade de Opinião», a sociedade vê-se aprisionada num labirinto de espelhos, onde a liberdade de opinião muitas vezes ultrapassa os limites do que será a opinião e entra na esfera do insulto, da difamação, da falsidade, da calúnia, da suspeita e da notícia. Em nome de uma conquista de Abril cometem-se todo o tipo de atropelos, destroem-se vidas, extinguem-se instituições, dissolvem-se órgãos eleitos.

Uma opinião é uma tomada de posição individual ou de um grupo sobre uma questão concreta, um assunto determinado, que pode ser visto e abordado de diferentes prismas. Uma opinião não é uma notícia, porque não é factual, ela mesma deverá derivar da análise de um facto. O presente artigo de opinião não apresenta mais do que uma análise pessoal a um conjunto de circunstâncias a que temos assistido, em diversos domínios, mas com especial enfoque na confusão que hoje reina, nos grandes grupos de comunicação social do país, entre o que são os factos reais e o leque de opiniões que comentadores profissionais emanam, chegando a adulterar e a destruir a verdade dos factos, para criarem uma realidade paralela que vai muito além da opinião e que veste emprestado o fato de notícia.

A nossa geração, aquela que é tida como a melhor qualificada de sempre, que até tem ao dispor meia dúzia de canais televisivos dedicados a notícias, deixou de ter acesso à realidade dos factos, vendo-se obrigada a consumir o que meia centena de especialistas em comentários vomitam diariamente sobre todo o qualquer assunto que se relacione com a vida em sociedade, sendo que esta «Liberdade de Opinião» atingiu uma dimensão tão colossal, que até já temos realidades prévias ao facto. Nos últimos meses chegamos a discutir ao longo de dias inteiros, em emissões especiais, se um ministro seria ou não demitido; se um governo regional iria ou não a eleições; se o Governo se demitia ou não; se um indivíduo deveria ficar preso ou ser libertado, com a intensão clara de influenciar, condicionar, ou mesmo determinar, o modo de atuação de órgãos oficiais como a Presidência da República, o Governo, os Governos Regionais, os líderes partidários, os órgãos de Justiça, o poder local… Tudo sem a existência de um facto concreto, ou seja, sem que essas atuações possam ser vistas como «opiniões», ou, pelo menos, como «opiniões legítimas».

Se alargarmos o âmbito da análise no tempo, encontramos facilmente uma série de exemplos de pessoas que foram presas graças a fugas de informação cirúrgicas de processos, que, afinal, foram absolvidas da prática de qualquer crime; figuras públicas condenadas socialmente fruto de investigações jornalísticas, que nem acusadas foram; políticos que viram a carreira interrompida ou mesmo destruída à base de meras suspeitas e juízos de valor; líderes partidários alvo de ataques contínuos de descrédito; a paralisação do regular funcionamento das instituições face ao receio, não da interpretação do Povo, mas da forma como os influenciadores mascarados de opinantes poderão criar movimentos de massa de ataque e descrédito.

Aquele que era o denominado quarto poder, transformou-se no poder supremo de uma sociedade cada vez mais estupidificada e sem opinião própria, porque à sua mão não chega a verdade factual, limitando-se, por isso, a comentar opiniões.

Isto é trágico para qualquer sociedade, mas, ainda mais, para uma sociedade que se quer democrática, liberta dos abusos do poder. A opinião que extravasa o acto de opinar, não é um direito legítimo, mas um abuso de direito, quando não atinge a dimensão criminal.

Meio século decorrido sobre a retoma da Democracia Portuguesa, impõe-se a consolidação da Democracia. É fundamental para o regime democrático estabelecer na sociedade os limites, não da liberdade de opinião, mas do conceito do que é liberdade de opinião. Este é o debate imperioso para os próximos anos e, ou a sociedade une-se contra este flagelo, ou em menos de uma geração teremos um conceito de democracia muito diferente daquele que foi construído pela sociedade do pós-25 de Abril.

Pela Democracia, Viva o 25 de Abril!

Nuno Campos Inácio é editor e escritor

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