Uma das chávenas onde costumo beber o chá do pequeno-almoço tem estampada a fotografia de Dom Quixote. Não é um cavaleiro de triste figura, mas um ser de figura linda, com a idade do meu sobrinho mais velho e, tal como nele, a imagem de 16 belos anos de aventuras, olhar carinhoso e amor pela vida. Ganhei a chávena quando me tornei sua madrinha, decidida a participar, por pouco que fosse, nos cuidados e na atenção de que precisa. Os meus sobrinhos têm, felizmente, os pais, família alargada, abrigos, alimentação, escolas onde passam os dias, e saúde. Queria muito que os burros fossem como os meus sobrinhos: seres felizes, protegidos, acarinhados. Por isso – deve ter sido por isso, mas também entrou nas contas o mel dos seus olhos –, decidi amadrinhar o Dom Quixote. As gentes que mais imediatamente o protegem, a ele e a outros como ele, juntaram-se na
Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino (AEPGA), que vim a conhecer por intermédio de uma amiga querida, a Anabela. Na AEPGA dedicam-se aos burros – dedicam-se de dedicação pura, como quem destaca, em tudo o que faz e diz, aqueles amorosos quadrúpedes. Desde 2001, ano em que se formalizou, a AEPGA, com o Centro de Acolhimento do Burro, resgatou, acolheu e cuidou de mais de 350 indivíduos, alguns dos quais se mantêm com eles desde que nasceram. Recolhem-nos porque os acham abandonados, recolhem-nos porque os donos, envelhecidos, anteveem deixar de conseguir mantê-los, recolhem os burros que precisam de ser recolhidos e dão-lhes o tratamento que todos os burros merecem: carinho, comida, conforto.
Lembram a LURA – Aprender Naturalmente, uma quinta pedagógica que, perto de Faro, trabalha igualmente com a grande riqueza que são os asnos e lhes retribui com apoio e sustento. Um dos seus programas mais interessantes, as «atividades assistidas por animais», retomam um tipo de colaboração que deve ser dos mais antigos entre o ser humano e outros animais, mas em bom.

Há poucas semanas, amigos reencontrados deram-me a saber de mais um projeto de proteção de burros também no Algarve, na zona de Lagos: nasceu em 2008 e tem o divertido nome de «
Orelhas sem Fronteiras». Este grupo de gente que zela pela saúde de burros e burrices lançou recentemente um livro que é uma delícia: As Aventuras do Super Burro, uma pequena coleção de histórias, imagens, jogos de palavras e sugestão de outras atividades para crianças.

Em pequena, era rara a vez em que, estando em Beja, eu, a minha irmã e o meu irmão não passávamos no Jardim Público: o que nos fazia querer lá ir era o espaço aberto, sim; era o parque infantil, pois; era a casinha de brincar que ainda lá está (agora fechada, enfim) – mas era, sobretudo, os passeios que dávamos na garupa da Burrinha Gabriela, o ser mais paciente e doce que alguma vez me recordo de ter conhecido.

Ana Isabel Soares é professora

Crónica publicada em:
REVISTA ALGARVE INFORMATIVO #430 by Daniel Pina - Issuu

Foto: Vasco Célio