Bom dia «donas de casa»! Antes de lerem mais este artigo, não se esqueçam de comunicar ao vosso marido que já cumpriram todos os vossos papéis como mulheres recatadas de uma família com valores tradicionais.

“Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados socialistas, os estados capitalistas e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos”. Salgueiro Maia (25 de Abril de 1974)

Cinquenta anos depois destas palavras e infelizmente o nosso País caminha para uma ditadurazeca encapotada, às mãos de alguns labregos salazarecos e rebarbados, a cheirar a naftalina. Quem não percebeu que, neste momento, a guerra na política portuguesa é só uma, a liderança da direita, e que o Chega tem como único e principal objetivo diminuir e substituir o PSD, é, diria com pena, bastante burro. Quem sugere qualquer tipo de entendimento, ou é burro ou é pior, quer mesmo que o PSD seja devorado num buraco negro de estupidez e maldade. O pior é que é um ex-primeiro ministro de Portugal, eleito pelo… PSD a fazê-lo, ressuscitando ódios, ideias machistas e xenófobas tresandando a mofo com o objetivo de ocupar os lugares de Montenegro no partido ou o de Marcelo na Presidência.

Há poucas pessoas em Portugal que, quando aparecem em público ou emitem opinião, têm a capacidade de colocar o País a falar ou a discutir, Pedro Passos Coelho é uma delas! A mim tem outra capacidade, confirmar que estava certo (e já lá vão 13 anos), em abandonar o PSD. Nunca o fiz publicamente, mas aqui o digo o que é do conhecimento geral, foi por ele que voltei à política, e foi por ele que me demiti do PSD no espaço de poucos anos. Depois de ter pensado que podia mudar o Mundo e de ter encarado a dura e triste realidade da política portuguesa de tachos e tachinhos, casei, tive filhos e isso ajudou ao meu afastamento da política ativa e da qual não senti saudades. Essa travessia do deserto, terminaria num celebre almoço em Sagres com Pedro Passos Coelho e os seus amigos algarvios (onde eu me incluía). Tinha vindo em segredo pedir ajuda para a sua candidatura ao PSD e posteriormente a primeiro ministro. A imagem que eu tinha deste homem era a melhor, uma relação que vinha desde os anos 80, nos tempos da JSD. Partilhamos algumas histórias, muitos momentos e convívios como as da Praia da Rocha, numa celebre «Páscoa Laranja». Fui, a seu pedido, mandatário em Portimão e semanas depois estávamos em Quarteira a comemorar a sua eleição e eu voltava à política pelas suas mãos. Foi o princípio do fim de uma ilusão e esperança num homem.

Quando o Pedro chegou a primeiro ministro em 2011, a minha esperança era enorme, mas a tarefa não se afigurava fácil. Com o tempo veio a desilusão, não só para mim, como para milhões de portugueses. Nunca esquecerei esses tempos e o facto de todos sabermos e sentirmos que ele estava a fazer mais do que o necessário, mais do que era exigido e, com isso, a prejudicar os seus compatriotas. Bastava para isso seguir as exigências da Troika (que eram muitas), mas não era preciso convocar as sete pragas do Egipto. A minha desilusão face a estas e outras situações, como ao seu autismo e cegueira aos amigos mais próximos face à realidade, levou a que eu batesse a porta com estrondo. Como era meu «amigo» escrevi-lhe uma carta explicando as razões pelas quais abandonava o partido e porque tinha deixado de acreditar nele. Pelas piores razões, ficara a conhecê-lo melhor. Coisa boa, o saber não ocupa lugar. Aquele não era o Pedro Passos Coelho que eu conheci, aquele não era, como nunca mais foi, o PSD de Sá Carneiro.

Neste pais maldisposto e desiludido (no qual tantas e tantas vezes me incluo), sem respostas credíveis para tantos problemas, um partido como o PSD, que tem inscritos nos seus princípios o humanismo, o personalismo, a tolerância, o direito à diferença, a autodeterminação da pessoa humana, a igualdade de oportunidades, não se pode sentir nem pode ser representado por opiniões que andem absolutamente arredadas destes princípios, de visões que, mais do que desajustadas temporalmente, são sobretudo desajustadas face à visão de sociedade inclusiva, integracionista, respeitadora das diferenças, numa palavra, humanista. A liberdade de expressão que obviamente todas as pessoas têm para defender esta visão de sociedade em defesa da «Família Tradicional» mais não fazem do que um ataque encapotado aos mais básicos direitos das pessoas. Os conservadores não querem defender valores. Antes, querem impô-los, fazer deles regra e impedir a concretização de tudo aquilo que abominam. No fundo, é apenas ódio. Eu dou apenas um exemplo: Um dos senhores que consta no livro é o Professor Paulo Otero da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Este «senhor» há pouco tempo chocou os alunos na cadeira de Direito Constitucional II e deixou perplexas várias pessoas, e entre elas, outros juristas, quando colocou uma pergunta sobre a constitucionalidade comparando o casamento gay ao casamento entre pessoas e animais.

Neste seu caminho para as eleições presidenciais imediatamente apoiado pela extrema direita convém perguntar ao Pedro o que mudou de 2010 para 2024? No jornal «I» o Pedro há 14 anos (19/01/2014) escrevia: “A homossexualidade ou a heterossexualidade não tem de ser o critério para adoção. Quando avaliamos as condições em que determinada pessoa deve poder adotar, o critério não é saber qual é a sua orientação sexual”.

Passados 50 anos da libertadora revolução, algumas das pessoas deste país continuam, como a hipócrita PIDE, a «cultivar a família e os bons costumes» enquanto espancavam, impediam de dormir, despiam e humilhavam milhares de homens e mulheres indefesos. Esta perceção do ridículo que algumas «figuras da sociedade portuguesa» continuam a alimentar é preocupante porque me faz ter a perfeita consciência que, por mais anos que passem, Portugal será sempre (infelizmente) uma metáfora fácil do ridículo tacanho e mesquinho. As leis neste país tiveram sempre aquela arbitrariedade imbecil e subjetiva do legislador, o mesmo gajo que há 40 anos proibia que se namorasse na rua, que as pessoas se pudessem divorciar, que as mulheres casadas pudessem trabalhar, ter passaporte e viajar para o estrangeiro, que pudéssemos ler certo livro ou ouvir certa música, esse legislador estreptococo conseguiu criar uma prole de descendentes que hoje continuam a legislar, a opinar nas televisões, no mesmo registo de estupidez subjetiva. Mas acho que ainda não perceberam que foi o 25 de Abril lhes deu a liberdade para o fazer, assim como eu para os criticar, nesta coisa a quem pomposamente chamamos de «artigo de opinião». O meu medo é que isso acabe, até porque (como ficou provado ultimamente), o fascismo e algumas das suas ideias não desapareceram com o 25 de abril. Foi apenas retirado do poder. Naquela manhã de 74, Portugal não acordou sem fascistas. Eles andam aí, como sempre andaram, a diferença é que perderam a vergonha, não é Pedro? Alguns políticos continuam na sua encenação a dizer o que o povo gosta e quer ouvir. Que ainda adoram Fátima e Futebol… o fado nem por isso. Mas qual será nesta altura, o terceiro F?

Para mim, a escolha é fácil. Até porque poucas coisas são gratificantemente libertadoras como um bom insulto aplicado no momento certo. Tem o efeito de uma ventania forte num dia nublado: deixa-nos o céu azul e solarengo. Limpa-nos a alma. Que venha de lá esse grande e prolongado F…

Júlio Ferreira é um inconformado encartado

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