A minha vida estava em mudança,
portanto encontrava-me livre.
Robert Rauschenberg


Ao falar sobre o «contemporâneo», Giorgio Agamben afirma que o contemporâneo é aquele que está fora e dentro do tempo em que vive. Estar fora para que veja, com a distância necessária, o que o circunda. E dentro para que possa vivenciar, ao lado dos seus pares, aquilo que o torna deles coetâneo. Lembrei-me desta passagem de Agamben porque acredito que Rui Sanches é um dos maiores exemplos entre nós de um artista contemporâneo. A sua obra, como o próprio reconhece, é um compósito de paixões, de escolhas, de referências a obras do passado e da materialidade dos suportes e ferramentas que utiliza nas suas criações. De Poussin à Rauschenberg, as alusões são muitas e todas devidamente reconhecidas pelo artista, que tem uma consciência bastante acurada do seu processo de criação.

Rui Sanches sempre conseguiu coordenar a sua atividade como artista com a carreira académica. Enquanto professor, partilhou com os alunos o seu grande conhecimento da História da Arte e da Estética, além, é claro, da prática artística que, no seu caso, não está separada da reflexão constante sobre a História da Arte e sobre a própria contemporaneidade.

As obras que apresenta nesta exposição dão a ver um artista que ama, sobretudo as linhas. Quer no desenho, quer nas esculturas, a presença da linha marca a relação da obra com o espaço. Não funcionam apenas como continente para um conteúdo artístico, mas convertem-se, elas mesmas, no conteúdo das obras que exigem espaço e tempo para serem devidamente apreciadas. Exigem o espaço vazio à sua volta para que possam respirar e provocar também, naqueles que as observam, a sensação de vivenciar o presente, o agora, o momento em que se vive, ao mesmo tempo em que se revisita a História da Arte e dos seus avanços e recuos. No caso da obra de Rui Sanches, a História ecoa, dando a ver a sua permanência e a imanência das linhas que dialogam entre si e com o passado. Rui Sanches é, sem sombra de dúvida, um artista que consegue estar sempre além, sem perder, jamais a consciência do tempo em que habita e do lugar em que expõe as suas obras.

Mirian Tavares é professora

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Foto: Vasco Célio