Mais de dois anos depois de a ter visto reproduzida em sites de museus ou em livros – há edições belíssimas de ensaios sobre a obra de Henrique Pousão, e um dos mais belos, editado pela Dafne, é uma coleção dedicada ao seu quadro «Esperando o Sucesso» (Vítor Silva, Henrique Pousão: Infância, experiência e história do desenho, 2011) – pude ver ao vivo, entre tantas outras peças, a rapariga de Capri a descansar entre as árvores, gigante o quadro em relação à ideia que dele tinha. E vi, por fim, o travesso ciociaro de «Esperando o Sucesso», as piteiras frente às «casas brancas de Capri», a bela Cecília, o autorretrato, a série de flores e paisagens pintadas sobre pequenas tabuinhas, que era o que conseguia transportar sem grande esforço nos últimos meses de Itália. Vi-os no Museu Nacional de Soares dos Reis, onde entrei pela primeira vez com a esta linda idade de 53 anos. É difícil perdoar-me o atraso com que cheguei a este museu – ainda por cima, com visita guiada pelo generosíssimo Hugo Barreira (Professor na Universidade do Porto). Mas é o que há: a vida oferece e eu recebo, deliciada, estes presentes: se tive a sorte de já ter ultrapassado em alguns anos o dobro da idade que Pousão viveu, honro-o, apreciando a beleza da sua obra. Parecem-me inevitabilidades, as telas que pintou: que a existência dele teve de ter aquele rasto, mesmo se cruzou com tanta brevidade os lugares que reconheço. Olhar para trás, para o trabalho de alguém que aqui esteve e daqui partiu, deixando herança tão poderosa, faz-me perceber o que significa ver longe, vislumbrar a maravilha que é o mundo, sabendo fazê-lo, desde logo, como se tivesse quase à nascença a distância que só a longevidade costuma permitir.
Ana Isabel Soares é professora
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Foto: Vasco Célio