Em pleno mês de agosto, o assunto é o Turismo.
O Turismo assistiu a uma crescente profissionalização e especialização, tal como a hotelaria e a restauração. E até a animação.
O alargamento da atividade turística a um mundo global, trouxe para a realidade da Bacia do Mediterrâneo um crescimento com fatores menos positivos: a sazonalidade laboral, a precaridade, o trabalho por turnos fora de horas, a especulação imobiliária, o custo de vida, a aculturação, a gentrificação de alguns lugares, os impactos ambientais, a poluição e o ruído, que hoje conduzem a movimentos de oposição local aos efeitos negativos de um turismo massificado.
De facto, temos reconhecido em vários momentos que uma litoralização do turismo trouxe um ordenamento com vista para o mar e um efeito urbanístico perverso, com aumento do edificado em altura, abandono das características da construção de carácter endógeno, aculturação pela introdução de padrões de estética dos outros, densificação dos aglomerados urbanos na zona costeira e despovoamento do interior, abandono de atividade primárias, terciarização da economia, entre outros efeitos. Noutros sítios, a pressão está no centro histórico ou no destino como conjunto, com o movimento contra o overtourism a ganhar voz em Veneza, nas Baleares, em Barcelona, em Amesterdão e em outros.
O turismo e os que cá residem
Quando falamos de turismo falamos da nossa terra, das nossas gentes, da nossa vida e daqueles que nos visitam. Estamos muito centrados na experiência positiva que queremos proporcionar a quem nos visita, mas temos que pensar nos que cá residem e dão resposta à procura, aos visitantes e que vão muito para além dos fornecedores diretos de serviços aos turistas. Este não é de todo um discurso contra o Turismo, mas a favor de um Turismo responsável e sustentável.
O Turismo para ser perspetivado como uma boa atividade, a comunidade tem de sentir os seus benefícios; as comunidades hospedeiras têm de perceber e beneficiar da atividade nas suas várias dimensões – económica, social, cultural, ambiental. Quer em termos de contributos para a comunidade recetora, quer em termos de criação de riqueza, quer para a conservação da natureza e do ambiente, quer por exemplo, para o fortalecimento da economia e das gentes locais.
É verdade que predomina hoje uma visão pessimista do Turismo como atividade produtiva e que por outro lado se privilegia uma abordagem económica ou economicista: dormidas, quartos, número de visitantes estrangeiros, número de postos de trabalho, receitas, número de unidades de alojamento local, de hotéis…
O Turismo trouxe uma nova economia e veio para ficar – trouxe também o florescimento de outras atividades económicas, culturais e até desportivas, trouxe reabilitação urbana, trouxe a valorização de elementos identitários que estavam a desaparecer e a reabilitação de algum património; a preservação de trilhos e caminhos; contribuindo com expressão para novas dinâmicas de inovação em termos de negócios, empresas e produtos.
Vivemos outros tempos. Está tudo à distância de um clique e é tudo mais fácil e mais perto – temos as low cost e os air bnb, o chat bot, as smart cities…
Nas ambições da Estratégia Nacional para o Turismo 2027 estão expressos vários eixos estratégicos, dos quais destacava:
· Alargar a atividade turística a todo o ano;
· Aumentar as habilitações da população empregada no Turismo;
· Assegurar que a atividade turística gera um impacto positivo nas populações residentes;
· Incrementar os níveis de eficiência energética nas empresas do Turismo;
· Impulsionar uma gestão racional do recurso água no Turismo;
· Promover uma gestão eficiente dos resíduos na atividade turística nacional.
Tudo essencial e muito certo, mas todos os anos a monitorização é feita com estatísticas de número de turistas, dormidas e receitas. Dando voz a esta hegemonia do discurso, podemos dar alguns números. Em 2022 o Turismo empregava indiretamente no país 950 mil pessoas e 287 mil diretamente (5,7% da população trabalhava em alimentação, restauração e similares); 14% destes trabalhadores possuíam um curso superior; o peso no PIB nacional em 2023 foi de 9,5%.
Em maio deste ano decorreu em Aveiro o I.º Fórum da Plataforma Nacional do Turismo, que integramos em representação da Universidade do Algarve, e foi apresentada a Declaração de Aveiro – Uma visão para o futuro do turismo em Portugal, que se cita: “Atualmente o turismo gera uma receita anual de 25.5 mil milhões de euros, o que corresponde, sensivelmente, a 7 vezes a receita criada pela AutoEuropa, dez vezes o valor criado pela agricultura e é superior ao financiamento europeu do Plano de Recuperação e Resiliência”. Estes factos são esmagadores e não podem ser ignorados.
Também já começamos a ouvir que os portugueses estão em menor número no Algarve e que os outros estão a crescer mais, sendo que os hoteleiros estão satisfeitos com os resultados pois as receitas médias por quarto, e por cama, estão a aumentar. No entanto, a restauração queixa-se do menor número de clientes. Os clientes queixam-se dos preços. Por sua vez, os trabalhadores lamentam a baixa remuneração perante o custo de vida e da habitação.
Há novos desafios ou paradigmas que nos afetam e que não devemos ficar indiferentes: Transição digital e Transição energética; o desaparecimento de intermediários e dos segmentos tradicionais parecem marcar a evolução das tendências no turismo.
Qualquer indivíduo, tenha ou não visitado um destino turístico como é o Algarve, tem uma imagem ou opinião associada ao lugar. A utilização de uma estratégia adequada permitirá ao destino turístico: Diferenciar-se dos destinos concorrentes; Chamar a atenção dos grupos-alvo com mensagem própria, tendo como objetivo criar a sua própria credibilidade e notoriedade; e, Influenciar as emoções do consumidor, conquistando a sua confiança.
Assim, o principal objetivo é alcançar a qualidade adequada do destino turístico que irá possibilitar o aumento da sua atratividade ou mesmo conquistar os grupos-alvo para a escolha do destino turístico, mas também que promove uma relação de benefícios mútuos e desenvolvimento sustentado.
O Observatório do Turismo Sustentável do Algarve, no âmbito do estudo sobre os efeitos produzidos pelo Turismo sobre a região, apresenta indicadores que devem merecer a nossa atenção: os problemas de habitação, que o turismo com a pressão imobiliária nos traz, aumentando o preço das casas; assim como, outros aspetos como o aumento do tráfego rodoviário; o aumento da produção de resíduos; o aumento da poluição; o aumento do risco de acidentes e a degradação de áreas naturais (ver MONITUR[1]).
A taxa turística é um recurso para o investimento nos sistemas de monitorização e de valorização do destino que temos que reequacionar, saibamos perspetivar este instrumento.
Uma última curiosidade. Um estudo feito aos turistas pelo TRIPADVISOR[2] questionava sobre os orçamentos familiares e sobre a alta dos preços dos bens e dos serviços e pedia às pessoas que apontassem várias despesas em que estavam dispostas a reduzir os gastos…e o que acham que responderam? Outras coisas… As viagens fossem domésticas ou internacionais eram sempre das últimas despesas a ser referidas na redução da despesa de consumo. Mas em 2023, a PORDATA apurou que 38,9% dos portugueses não tinham capacidade para passar 1 semana de férias fora de casa com a família (alojamento e viagem) e erámos o 6.º país em termos europeus nesta avaliação.
Viajar é hoje um consumo quase obrigatório, portanto quando viajarem sejam conscientes!
Alexandra Rodrigues Gonçalves é diretora da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve
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