Vivia a te buscar
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te via
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu (…)
Chico Buarque
Os dias passam e vão se avolumando. Quase não os vemos passar e, de repente, passaram-se 9 meses – tempo de uma gestação. Passaram-se 4, 8 anos. Muitos natais e dias de praia. Passaram tempestades e trovoadas que ressoaram no céu, como um brado de mau agouro. Lembrei-me de uma vez, o filho pequeno, numa cidade que já não é minha, relampejou tanto que parecia dia. E o filho dormia descansado enquanto eu, aflita, velava pelo seu sono, com o coração nas mãos a pensar, como os invencíveis gauleses, que era dessa que o céu cairia sobre as nossas cabeças. O que me lembra de um dia ainda mais recuado. Muito mais recuado. Era quase adolescente, na casa dos pais. Acordo com o barulho dos trovões. Corro e me refugio no quarto dos manos. Um deles, para me acalmar, diz: conta o tempo entre um e outro trovão. Dizem que quando o tempo vai se tornando maior é sinal de que a trovoada vai passar. Não sei se isso funciona, mas senti-me calma com os números a ocuparem minha cabeça, e a mão do mano, na cama de cima do beliche, a segurar a minha, quase escondida, na cama de baixo. Tantos dias entre trovoadas e desassossegos. O Natal está à porta e ainda ontem eu estava lá, tranquila, olhando o calendário sem grandes preocupações. A pensar na ceia, nos bolos, na decoração da mesa. A pensar em como era feliz nesses dias. Natal em casa dos tios, dos manos, na minha casa. Ontem eu era feliz. Ontem parece uma eternidade e, ao mesmo tempo, mistura-se com o hoje e vai continuar a me seguir amanhã. Os dias correm e de repente é amanhã. E nesse amanhã, uma folha em branco, crio um novo calendário. Reinvento as datas festivas, acrescento umas, descarto outras. E deixo os dias correrem. Uns atrás dos outros, numa linha reta que segue, mesmo quando queremos parar. Os dias nos comem, os dias são demasiado longos, os dias são demasiado curtos. Há muitos dias entre as viagens. Entre um barco e outro. Entre a ponte que separa duas margens de um rio quase mar. Os dias passam. E vamos passando com eles.
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te via
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu (…)
Chico Buarque
Os dias passam e vão se avolumando. Quase não os vemos passar e, de repente, passaram-se 9 meses – tempo de uma gestação. Passaram-se 4, 8 anos. Muitos natais e dias de praia. Passaram tempestades e trovoadas que ressoaram no céu, como um brado de mau agouro. Lembrei-me de uma vez, o filho pequeno, numa cidade que já não é minha, relampejou tanto que parecia dia. E o filho dormia descansado enquanto eu, aflita, velava pelo seu sono, com o coração nas mãos a pensar, como os invencíveis gauleses, que era dessa que o céu cairia sobre as nossas cabeças. O que me lembra de um dia ainda mais recuado. Muito mais recuado. Era quase adolescente, na casa dos pais. Acordo com o barulho dos trovões. Corro e me refugio no quarto dos manos. Um deles, para me acalmar, diz: conta o tempo entre um e outro trovão. Dizem que quando o tempo vai se tornando maior é sinal de que a trovoada vai passar. Não sei se isso funciona, mas senti-me calma com os números a ocuparem minha cabeça, e a mão do mano, na cama de cima do beliche, a segurar a minha, quase escondida, na cama de baixo. Tantos dias entre trovoadas e desassossegos. O Natal está à porta e ainda ontem eu estava lá, tranquila, olhando o calendário sem grandes preocupações. A pensar na ceia, nos bolos, na decoração da mesa. A pensar em como era feliz nesses dias. Natal em casa dos tios, dos manos, na minha casa. Ontem eu era feliz. Ontem parece uma eternidade e, ao mesmo tempo, mistura-se com o hoje e vai continuar a me seguir amanhã. Os dias correm e de repente é amanhã. E nesse amanhã, uma folha em branco, crio um novo calendário. Reinvento as datas festivas, acrescento umas, descarto outras. E deixo os dias correrem. Uns atrás dos outros, numa linha reta que segue, mesmo quando queremos parar. Os dias nos comem, os dias são demasiado longos, os dias são demasiado curtos. Há muitos dias entre as viagens. Entre um barco e outro. Entre a ponte que separa duas margens de um rio quase mar. Os dias passam. E vamos passando com eles.
Mirian Tavares é professora
Crónica publicada em:
Foto: Isa Mestre