Cada um se sensibiliza com o que quer. Cada um se indigna com o que acha melhor…
Li as declarações da ministra da (falta de) solidariedade ao «Jornal Expresso» e fiquei chocado com as suas afirmações, pois só demonstram falta de empatia pelo próximo! Há pelo menos duas afirmações chocantes. A primeira diz respeito ao apoio aos sem-abrigo: “Em alguns casos a atividade, mesmo benevolente, é contraproducente”, diz a ministra da (falta de) Solidariedade. Mas há outra tão, ou mais grave, em que garante não existirem “sem-abrigo crianças, porque essas são logo retiradas”.
O curioso é que estas declarações são proferidas quatro dias depois de o Provedor dos animais de Lisboa entregar a proposta para o primeiro regulamento de proteção de todas as espécies que moram em Lisboa, onde quer proibir uso de cães por mendigos e tornar o pombo espécie protegida. Ainda na terça-feira, Montenegro cavalgou toda e qualquer polémica noticiosa e tentou instrumentaliza-la a seu favor. Agora, no governo, Montenegro quer jornalistas «tranquilos». Numa série de ataques ao trabalho dos jornalistas, Montenegro falou ainda em insidiosos auriculares. Mas esta gente não tem assessores? Não pensam? Não se informam antes de proferir este tipo de declarações? Ridículo!
Há duas formas de olhar para as intervenções destes detentores de cargos públicos: ou lamentarmos que não as tivessem feito mais cedo, e as pessoas viam logo da matéria que eram feitos, ou concluirmos sarcasticamente que mais valia terem continuado em silêncio até ao fim. Nenhuma das visões abona a seu favor. Nem têm a decência de vir explicar melhor (como se isso fosse possível) que não queriam dizer bem aquilo, nem muito menos de se demitirem.
Mas as faltas de solidariedade desta ministra chocam-me e de que maneira. Seria mau de mais se pretendia desvalorizar o papel das associações e voluntários por esse país fora que dão apoio alimentar aos sem-abrigo. Eu e a maioria dos Portugueses, cada um de nós está mais próximo de ser pobre ou sem-abrigo do que ser um milionário! É que basta perder o emprego e não conseguir arranjar outro no prazo de 6 meses a 1 ano!... ESTA É A REALIDADE!
Sra. ministra da (falta de) solidariedade: Ser pobre não é crime. Meio mundo vive na miséria para que a outra metade viva remediada, enquanto uma ínfima minoria vive com tudo o que devia ser de todos. Os pobres não são uns degenerados que não sabem cuidar dos filhos. Mas numa sociedade materialista, é óbvio que, quando não há dinheiro, há instabilidade. Mas o amor não termina quando não há dinheiro, quando não há uma casa para morar. Retirar filhos a uma família por uma situação que não se consegue controlar é uma violência e insensibilidade atroz! É desumano! SER POBRE NÃO É CRIME! PAREM DE QUERER VOLTAR A CRIMINALIZAR A POBREZA! Lá estou eu a desejar o impossível quando sonho que o estado deve atuar contra a pobreza em Portugal. Decerto que desejam o mesmo e por isso partilham da mesma intenção, embora enunciemos mal o sujeito da ação. Uma ministra deste calibre, nunca poderá atuar contra a pobreza por uma razão filosófica muito simples: a pobreza material nunca será vencida pela pobreza de espírito. É um paradoxo. Isto porque o resultado da pobreza de espírito será inevitavelmente e sempre a pobreza material. Uma coisa conduz à outra. Alimenta-se da outra. E é nesta espécie de círculo vicioso que nos encontramos. Esta ministra da (falta de) Solidariedade tornou-se o símbolo da pobreza de espírito deste país. Um povo vale por aqueles que elege para seus dirigentes e, meus amigos, neste momento, Portugal vale muito pouco. Continuamos (da esquerda à direita) a deixar que nos ridicularizem por estes ditadorzecos de pacotilha, que mais parecem perus disléxicos na altura do natal.
Ainda há poucos meses celebramos os 50 anos de liberdade e parece que regressamos ao passado. Para além desta ministra, um primeiro ministro que quer um jornalismo mais «tranquilo», menos «ofegante». Um jornalismo manso. Discursos que mais parecem as políticas de repressão no Estado Novo e que fazem as delícias da extrema direita.
Saiba a Sra. ministra da (falta de) solidariedade que assim fica difícil para aqueles que estão na política (de todos os partidos) de forma séria e que ainda acreditam que podem fazer alguma coisa de positivo pelas suas cidades, pelo seu pais. Ou ainda acha que a fome e pobreza são coisas de livros de História? Por falar em História, recorro mais uma vez ao Eça de Queiroz:
«O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte: o país está perdido!»
Isto foi escrito em 1871.
Desde então a malta não aprendeu nada???
Júlio Ferreira é um inconformado encartado
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