O que é ser cidadã, cidadão? Pertencer a uma terra e apenas nela ter o direito a exercer a sua cidadania? Onde fica a «minha» terra? E a «tua» terra, onde é? Quem ou o quê tem o poder de definir onde é a terra de alguém? É possível localizar o começo de alguma história? «Volta para a tua terra» é um projeto de criação de Keli Freitas, brasileira residente em Portugal, no qual, a partir da busca pela sua bisavó portuguesa, desafia as ideias de imigração e pertença.
O espetáculo que foi a cena, no Cineteatro Louletano, no dia 25 de outubro, marca o segundo episódio de uma trilogia de buscas por mulheres da sua árvore genealógica através de viagens a lugares que habitaram. Viagens que fazem falar, de alguma forma, a sua história comum.
O primeiro episódio da trilogia chama-se «Adicionar um lugar ausente» e foi criado a partir dos registos documentais da viagem feita à cidade onde nasceu, Três Corações, em Minas Gerais, Brasil. Ao revisitar a cidade no dia do seu 33.º aniversário, Keli articula imagens do lugar desconhecido com os diários da sua falecida mãe, que tinha precisamente 33 anos quando ali deu à luz. «Adicionar um lugar ausente» estreou no Teatro São Luiz, em Lisboa, em 2020.
Em diálogo com a criação da trilogia, «Volta para a tua terra» é também a decisão de uma ligação a acontecer num tempo e geografia específicos: o encontro com a sua bisavó Virgínia, nascida em 1900, em Torres Vedras. No dia em que se completariam 120 do nascimento da bisavó, Keli vai a Torres Vedras e é a partir desses registos que começa a elaboração deste trabalho.
Na sua conceção formal, «Volta para a tua terra» é uma performance-conferência documental de invenção. “É uma peça de teatro, mas é também um concerto a que os músicos faltaram e o pedaço de um filme que se perdeu. Como escreve a poeta Wislawa Zymborska, ‘cada começo é só continuação, e o livro dos eventos está sempre aberto a meio’”, indica a autora.
Ao lado e além deste dado autobiográfico entre bisavó e bisneta, o trabalho é vocacionado pelo desejo de trazer ao centro do debate a crescente xenofobia na Europa contemporânea – mais especificamente, a xenofobia contra brasileiros em Portugal. Segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, aproximadamente 400 mil brasileiros vivem hoje em Portugal. “Este espetáculo é a abertura de um espaço onde pelo menos algumas destas vozes encontram escuta. Tristemente, a realização desta obra coincide com o momento em que as denúncias de xenofobia contra imigrantes brasileiros cresceram 505 por cento em apenas um ano, segundo balanço da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial Portuguesa”, aponta Keli Freitas.
«Volta para a tua terra» é uma peça que resulta de uma bolsa conjunta entre o Cineteatro Louletano, o Centro Cultural Vila Flor e O Espaço do Tempo. O projeto, chamado Projeto Casa atribui um valor monetário aos vencedores e dá-lhes condições para circularem com novas condições. Tem texto e direção de Keli Freitas, com interpretação de Ana Gigi e Keli Freitas.
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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