Faro é uma cidade imprópria para os que procuram aventura, novidade, agitação... Na capital algarvia, nada acontece, e pouco há para fazer. Um paraíso para quem anseia por uma vida sem sobressaltos. A certeza de que o dia seguinte será igual ao anterior.

Perguntar-se-ão os mais irrequietos: o que fazem os farenses nos tempos livres? Relaxam, claro. No máximo, dão «uma voltinha». As alternativas são bem conhecidas de todos: umas piscinas na Rua de Santo António, uma ida ao centro comercial e o clássico passeio à ilha de Faro. Aos fins de semana e feriados, não falha. E não se pense que é só no verão. No resto do ano, vai-se para matar as saudades dos bons momentos ali passados. Suspira-se pelo regresso dos dias de calor.

Na verdade, tudo nos serve de desculpa para ir até lá. Vamos almoçar à praia. Vamos tomar um cafezinho. Vamos comer um gelado. Vamos fazer uma caminhada. Ou vamos, simplesmente, ver o mar.

Deslocamo-nos de todas as maneiras possíveis: de carro, de bicicleta, de autocarro, de táxi, a pé. Uma verdadeira romaria.

Atravessada a ponte, é ver um mar de gente sentada nas esplanadas, dentro dos carros, nos muros, na areia... Os figurinos variam: os atletas apresentam-se com roupa de treino; os que só de pensar em exercício ficam cansados, mas têm preguiça de se arranjar, também; os descontraídos alinham num estilo casual; e os que acreditam que está toda a gente a olhar para eles aperalvilham-se, andando por ali entalados dentro de pesados casacos de fazenda e botas de cabedal de cano alto.

Qualquer que seja a opção, o que interessa é ir dar a voltinha à praia. Não interessa como, nem porquê. E isto lembra-me o «Ti Vitor», um homem que viveu sempre nas Gambelas. Quando o convidavam para ir à ilha, respondia que não ia “lá buscar nada”. E nunca foi.

Aos que vão, a ilha oferece duas paisagens distintas. De um lado, a vista para a cidade, para o aeroporto. Pequenos barcos ancorados. Fundem-se o verde e o azul escuro, formando um tom acinzentado que se dilui na vegetação lá ao fundo, onde se avista um bairro de lata sobre rodas (ignoremos este detalhe para não estragar o panorama). Do outro lado, o azul claro do mar e do céu, o dourado da areia e da água pintada pelo sol que se põe. A linha ténue do horizonte. Inspira-se o ar húmido e salgado da rebentação. Aguarda-se o momento instagramável do dia.

Pelo menos, era assim até há bem pouco tempo.

Hoje, ao cruzar a ponte, apercebi-me de um número invulgar de pessoas concentradas logo à entrada. Quase todas de costas voltadas para as ondas, a olhar na minha direção. Virei-me para trás para tentar perceber o que atraía a sua atenção. E não vi nada. Pelo menos, nada diferente do habitual.

Decidida a perceber o que se passava, caminhei até o local onde se encontravam para ter a mesma perspetiva. A visão não era muito diferente. Valeram-me as conversas como legenda:

⎼ Está bonita, sim senhor!

⎼ É muito estreita. Devia ter mais uma faixa.

⎼ Está aqui uma bela obra!

⎼ Ficava melhor em verde.

Não há munícipe que não tenha opinião sobre a nova ponte para a ilha. Questões técnicas, estéticas, financeiras... Nada lhes escapa. Discorrem sobre os mais variados detalhes.

Concluo que há, em cada português, um engenheiro e um comentador televisivo que se perdeu. Somos autênticos especialistas em especialidades.

Apurando o ouvido, percebo que, de um modo geral, aprovam a obra feita, mas as vozes mais audíveis são as dos incontornáveis profissionais do contra. Seja ponte, passadeira, rotunda, estádio, escola ou hospital, terão sempre um ar entendido e uma pedra para atirar.

Reparo numa mulher sentada no muro. Cigarro numa mão, trela na outra. Olhos fixos na ponte. Absorvida nos seus pensamentos. Nada a parece perturbar.

Sento-me também. Observo a obra. Imagino que possa estar tão incrédula quanto eu. Talvez também ela tenha jurado mudar de nome caso um dia visse a ponte feita. Maria é demasiado normal, Ana não tem impacto, Valentina denuncia a idade, Luna soa a modernice, Letícia a protagonista de telenovela….

Que maçada! Qual era a pressa?

Sílvia Quinteiro é professora

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