Sendo o Algarve região com grandes tradições no ciclismo, a verdade é que Loulé e Tavira se destacam das demais terras. Razões? Há quem diga que por serem as únicas que construíram pistas de ciclismo, servindo as mesmas como grande incentivo para os jovens abraçarem a modalidade, já que era bem diferente pedalar naqueles pisos do que apenas ter a estrada como lugar de treino com pisos sabe-se em que estado, acarretando ainda os perigos que todos conhecemos. Mas um pouco por todo o país o ciclismo acaba por estar ligado à existência de pistas (veja-se os casos de Sangalhos, Alpiarça e outras). 

Recordo-me de ainda rapazinho ir assistir a provas à pista de Loulé e como delirava, sobretudo com as provas de perseguição individual. E quando a Volta a Portugal terminava no antigo Estádio José de Alvalade com a pista de atletismo a servir perfeitamente para o final da prova, com as bancadas cheias como se fossemos assistir a um derby local de futebol. Embora alguns com apoios de algumas empresas da região como o Olhanense tivessem pontualmente tido secções do popular desporto, são sobretudo a estas duas terras algarvias referidas que estão ligados os maiores símbolos da modalidade na região. Se em Tavira Jorge Corvo merece o consenso, não podemos ignorar Custódio Cristina, Idalécio de Jesus, Manuel Machado, Sérgio Pascoa e António Graça, todos eles ciclistas do Ginásio Clube de Tavira, clube que parece ter terminado a atividade, mas nem por isso a prática da modalidade naquela cidade terminou, pois parece continuar bem vivo o Centro de Ciclismo de Tavira. Quanto a Loulé, que teve Francisco de Brito, em 1933, como primeiro ciclista a disputar uma Volta a Portugal representando o Louletano Desportos Clube, haveria ao longo dos anos de ver nascer ou passar pelas suas cores vários atletas de qualidade como Cabrita Mealha, Joaquim Apolo, Ildefonso Rodrigues, Perna Coelho, Casimiro Cabrita, Luís Vargues e Vítor Tenazinha, entre outros, teve ainda e durante alguns anos a concorrência saudável do Campinense, que em determinada altura resolveu apostar também no ciclismo.

E cabe aqui debruçarmo-nos um pouco sobre Vítor Tenazinha, isto porque foi o meu ídolo aquando eu ainda era rapaz e acabaria por conviver com ele quando regressou dos Estados Unidos da América, país para onde emigrou depois de encostar a bicicleta. Haveria de abrir um restaurante em Quarteira cuja especialidade era o popular frango grelhado, e ainda um outro em Vilamoura que intitulou Bike Tenazinha.

Mas recuando no tempo, enquanto Jorge Corvo, aquele que o público afeto à modalidade elegeu como rival (decerto fruto da proximidade entre as terras), além de ser um excelente contra-relogista, era um ciclista frio, que seguia as tácticas estabelecidas pelo treinador e retirando daí os devidos proveitos, com dois segundos lugares em Voltas a Portugal, além de outros prémios, batendo-se de igual para igual com as os grandes nacionais como João Roque, Ribeiro dos Reis e Sousa Cardoso entre outros; Vítor Tenazinha era um puro sangue e passar quilómetros atrás de quilómetros na sonolência do pelotão era de todo impossível. Daí que de vez em quando, e quantas vezes até à revelia do treinador, resolvia ir-se embora e andar sozinho tanto tempo que por vezes acabava por ser apanhado quase com a meta à vista. Mas para nós, rapazotes, o que interessava isso? Como podíamos perder o momento em que ele na Ladeira dos Matos (Estrada Nacional 270 onde mais tarde haveriam de estabelecer várias pedreiras) dava a «sapatada» deixando o pelotão pregado? “Arranca Tanaza” era o grito a que o dito reagia e nos deixava mais que orgulhosos daquele moço nascido ali bem perto nas Benfarras. Haveria ainda de correr alguns anos no Benfica e no Sporting, o que prova que o seu valor era bem conhecido fora da região algarvia.

A finalizar cabe aqui uma referência ao jornalista e escritor Neto Gomes, nascido em Vila Real de Santo António, mas que adotou Loulé como residência (António Aleixo o poeta fez o mesmo percurso). Não sendo ciclista, este homem fez tantas Voltas a Portugal na qualidade de «speaker» oficial da prova como os que mais participaram. Além de tudo, os seus trabalhos escritos sobre a matéria revelam um conhecimento fora do comum.

Valentim Filipe, músico, professor aposentado e dirigente associativo

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