Terça feira, 4 de Março, Dia de Carnaval. Durante o almoço em casa vendo as notícias, depois de entre outros assuntos atuais passarem em destaque as trapalhadas de Trump no seu mais recente episódio com Zelenzky na Sala Oval e da polémica à volta da empresa de que Luís Montenegro é sócio, eis que o canal em que estou sintonizado resolve fazer uma ronda em jeito de reportagem pelas localidades onde está a decorrer o Carnaval, dando notícias, falando de previsões e entrevistando os carnavalescos. De repente a minha atenção ficou presa porque ao entrevistarem uma senhora em Sesimbra, ela muito entusiasmada declarava que o Carnaval ali era o melhor de Portugal porque era o mais brasileiro de todos……
Da mesma maneira com que muitas vezes nos prendemos a questões com as quais concordamos, também até por vezes e até com mais intensidade assinalamos as que vão em sentido contrário.
Sempre fui contra a importação de tradições culturais. Recordo-me dos meus tempos de docente, era sempre um pouco contrariado que participava com as minhas turmas em festas do Halloween, que até eram do agrado da maioria dos colegas por várias razões, entre as quais, porque se abria uma oportunidade de fugirem um pouco à rotina das aulas (nada contra). Esta minha postura era, no entanto, menos radical em relação aos desfiles carnavalescos infantis (talvez porque era um modo de aguçar a criatividade na construção dos disfarces), desde que a acompanhá-los não houvesse um sistema sonoro a debitar sambas. Voltámos então à questão principal e facilmente o leitor chega à conclusão que o meu problema está no «abrasileiramento» dos nossos carnavais. Sou do tempo da Batalha das Flores em Loulé, o mais antigo Carnaval do país. Muito acesa está a memória do ano em que o rei do Carnaval foi Filipe de Brito, um acordeonista nascido em Almancil Nexe e que alcançou fama e prestígio em todo o país. Que orgulho ver aquele moço nascido no concelho de Loulé, passear em cima de um carro alegórico coroado de rei.
Confesso que durante alguns anos pensei gravar um disco com temas da nossa música popular, com arranjos contemporâneos a condizer e a que teria de se juntar posteriormente uma promoção/divulgação competente, de modo a que o povo pudesse ouvir e cantar por todo o país esses temas, aportuguesando assim os ditos carnavais. Na verdade, ainda não é uma ideia totalmente posta de lado. Seria até uma maneira de dar a conhecer aos portugueses o nosso riquíssimo cardápio na área da música tradicional/popular portuguesa.
Atenção que não tenho nada contra os brasileiros nem contra a sua música, da qual até sou fã. São chamados, é-lhes proposto o contrato, aceitam e pronto. São profissionais (muito deles nem isso pois criam grupos na altura sabendo que é grande a procura, também tal se aplicando às chamadas rodas de samba). Mas, permitam-me ser um pouco nacionalista como são sem dúvida os organizadores do Carnaval de Veneza ou do German Carnival, ambos com uma tradição de vários séculos e que se baseiam nas histórias e crenças locais, tanto no vestuário como no formato organizacional, onde, claro, se inclui a música. Felizmente ainda nos resta lá para o norte o Entrudo Chocalheiro.
Eu posso lá constatar, infelizmente, que na minha terra e num evento que dura quatro dias (mais um dia para os desfiles infantis), nem por uma vez se ouça a Ti’Anica?
Valentim Filipe é músico, professor aposentado e dirigente associativo
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