Integrado no Ciclo d’outra maneira dos encontros do DeVIR, o Teatro das Figuras, em Faro, assistiu, no dia 7 de março, ao espetáculo de dança contemporânea «... e vi o céu» de José Laginha e Marlene Vilhena.
A dupla de coreógrafos e bailarinos lembra que Suleiman Baraka pôs crianças palestinianas a olhar para lá das bombas, para as estrelas, assim como «look up here, i’m in heaven» podia ter sido o haiku final de David Bowie. Contam também que o Príncipe Andrei, em «Guerra e Paz», é atingido, cai para trás e, deitado, deixa de ver a guerra, só vê o céu e as nuvens. “Não se olha nunca para trás. É isso que distingue a guerra de outras maneiras de morrer. Nuns casos diz-se adeus e, noutros, não. Na guerra, o que está dentro da pessoa tem que se atirar para a frente, como pedras. Cada um vem a ser a própria pedra, de modo a não ter fome, não ter frio, não ter medo. A pedra é o milagre, um bailarino na batalha”, diz, por sua vez, Hélia Correia em «Um bailarino na batalha».
Segundo a produção, “olhar para além das bombas, para as estrelas, preparar o inevitável, poderá ajudar-nos a acolher de forma mais pacífica o futuro e a viver melhor o presente, mas também a apaziguar-nos, a encontrarmo-nos nas perdas e a superar a dor dos que nos deixam, celebrando-os em gestos criativos que potenciam a (nossa)vida”. “Apesar do desconforto, este é um assunto cada vez mais falado pelos profissionais de saúde. Exemplo disso é a carta que Mark Taubert, médico de cuidados paliativos, escreveu a David Bowie, ouvida na parte final deste espetáculo, e edição de 2017 do evento «Letters Live», assim como pela sociedade civil, particularmente pelos cuidadores informais, ainda tão desacompanhados. Esta temática é também abordada, cada vez com mais frequência, pelo cinema e pelas artes, como é o caso do último filme de Pedro Almodóvar, «The Room Next Door». David Bowie preparou-se, despediu-se deixando-nos «Blackstar», onde encontramos «Lazarus», um dos temas desse disco que é tocado ao vivo no espetáculo”, explicam.
«... e vi o céu» propõe-nos uma reflexão não linear sobre a superação e a transcendência, partindo de memórias, de experiências pessoais, mas também de acontecimentos reais que nos impelem a contemplar e a celebrar a vida e a natureza, como se poderá ver em alguns dos excertos de «Supernatural», filme de Jorge Jacóme e André e. Teodósio que também integram esta criação. “A guerra, a luta por um território e até pelo mais básico são uma realidade que se pode transmutar num projeto de superação e elevação como o do astrofísico palestiniano Suleiman Baraka, que nos desafia a olhar para além das bombas, para as estrelas”, acrescentam os criadores e intérpretes, José Laginha e Marlene Vilhena.
O espetáculo tem texto dramatúrgico de Miguel Castro Caldas, excertos de «Um bailarino na batalha» de Hélia Correia e da carta de Mark Taubert para David Bowie, assim como de André e. Teodósio, e conta com composição de música e interpretação ao vivo de José Salgado. É uma coprodução do Cineteatro Louletano e Teatro das Figuras, sendo que a DeVIR é uma estrutura financiada pela República Portuguesa – Ministério da Cultura / Direção-Geral das Artes.
Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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